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A Clonagem do Mamute – Descubra como uma empresa de biotecnologia promete acabar com a extinção e, até mesmo, reduzir o aquecimento global

Nas últimas semanas, uma possível clonagem do mamute voltou a repercutir em todo o mundo após o lançamento da empresa Colossal, uma empresa de biotecnologia com o objetivo de desenvolver mecanismos para a clonagem de espécies ameaçadas e, até mesmo, aquelas extintas recentemente pela ação humana. Sua primeira missão, entretanto, é trazer de volta esse…

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No nosso texto “Jurassic Park da vida real: Podemos (e devemos) clonar nossas espécies extintas?“, explicamos o conceito da desextinção, processo artificial que consiste em trazer uma espécie extinta de volta através da clonagem, manipulação genética ou seleção artificial. Nas últimas semanas, uma possível clonagem do mamute voltou a repercutir em todo o mundo após o lançamento da empresa Colossal, uma empresa de biotecnologia com o objetivo de desenvolver mecanismos para a clonagem de espécies ameaçadas e, até mesmo, aquelas extintas recentemente pela ação humana. Sua primeira missão, entretanto, é trazer de volta o mamute, um animal extinto. Descubra os motivos e as polêmicas por trás do projeto que pode revolucionar a ciência mundial – e a maneira que lidamos com a extinção.

A clonagem do mamute está mais perto do que nunca
Representação de um mamute-lanoso do Royal BC Museum

A Colossal, empresa lançada no dia 13 de setembro de 2021, surgiu com a premissa de resolver um problema colossal: todos os habitats do mundo sofrem, atualmente, com uma extinção em massa. Como já mencionamos anteriormente, perdemos cerca de 82% da megafauna mundial nos últimos milênios, o que, em parte, foi causado pela ação humana. Nas últimas décadas, as populações de animais selvagens do planeta decaíram mais de 70%, enquanto 50% das árvores do planeta foram cortadas. No ritmo atual, cortaríamos todas as árvores do planeta em, no máximo, duzentos anos. Mesmo assim, a ação humana parece não se modificar, mesmo após tantos alertas da comunidade científica que, desde os anos 80, nos atentam para a importância da preservação global para a continuidade de nossa espécie.

Trabalho de Stuart (2015)
Trabalho de Stuart (2015) que mostra a perda da biodiverdidade de grandes animais. A cor cinza representa animais viventes em cada continete, a cor preta, animais extintos.

Com a ideia de restaurar nossos ecossistemas e cadeias tróficas e baseando-se em diversos projetos que já conseguiram salvar ao menos 40 espécies da extinção por meio da reprodução em cativeiro e da reintrodução, geneticistas e conservacionistas se uniram para criar a maior iniciativa de clonagem de animais selvagens do planeta. Não é a primeira vez que animais ameaçados são clonados com fins de conservação: até mesmo instituições nacionais, como o Zoológico de Brasília, estudam a clonagem de animais silvestres e pensam, futuramente, até em adotar a manipulação genética para aumentar a diversidade populacional desses animais.

Ao contrário do que foi frequentemente veiculado na mídia, essa é a principal missão da Colossal, e não de povoar nosso mundo com espécies extintas. A empresa também pretende testar a manipulação genética em alimentos para a produção mais sustentável (um outro tópico extremamente polêmico) e, ainda, desenvolver cepas de microorganismos oceânicos capazes de degradar o microplástico, podendo, assim, eliminar mais um problema causado pelo ser humano. Mas onde é que o mamute entra nessa história?

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Atualmente, a empresa também estuda a criação de bactérias geneticamente modificadas para degradar plásticos

Primeiramente, temos que ressaltar que a Colossal é, antes de mais nada, uma empresa. Embora tudo pareça lindo, ela necessita de verba para suas ações e, em última instância, visa ao lucro, mesmo que desenvolvendo algo (em teoria) tão bom para o planeta. O primeiro e único animal extinto já clonado no planeta foi o íbex-dos-pirineus, por vezes considerado apenas uma subespécie (Capra pyrenaica pyrenaica) e, posteriormente, pouco se avançou nessas pesquisas por falta de verba. Qual a melhor maneira de conseguir patrocinadores e investidores do que clonar um grande animal icônico, que molda a imaginação de grande parte do público de como era a vida na pré-história? A escolha do mamute-lanoso (Mammuthus primigenius), portanto, é em grande parte feita por marketing.

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Arte representando um mamute-lanoso (Mammuthus primigenius) – Por Colossal

Mesmo estando extinto há 10 mil anos nos continentes e há 4 mil anos em ilhas, os mamutes também possuem um registro fóssil extremamente completo, sobretudo devido ao ambiente frio em que viviam. Dessa forma, centenas de exemplares já foram encontrados, alguns com uma preservação excepcional, o que garante o acesso a uma grande quantidade de material genético, superior àquela de diversos animais que se extinguiram há muito menos tempo e, surpreendentemente, superior até a alguns dos nossos animais atuais mais raros, cujo material genético nunca pôde ser coletado. Ao contrário das técnicas mais comuns, o mamute clonado seria, na realidade, um híbrido. Uma vez que os cientistas conhecem a função de diversos genes dos mamutes (ex: produção de pelos, tamanho das orelhas, cor, genes do sistema imunológico, etc.), é relativamente mais simples modificar os genes de embriões de seus parentes mais próximos (os elefantes-asiáticos, Elephas maximus) e dar a eles genes que permitiriam que fossem, em aparência e fisiologia, muito semelhantes ao mamute-lanoso por meio da técnica sofisticada do CRISPR-Cas9.

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O derretimento do permafrost está revelando dezenas de fósseis anualmente, o que, em breve, permitirá a clonagem de mamutes.
Esse exemplar conhecido como Yukagir woolly mammoth tem cerca de 22 mil anos e é a cabeça mais bem preservada encontada até hoje – Link

Esse embrião, implantado em uma fêmea de elefante-asiático, poderia nascer com saúde, uma vez que não é a primeira vez que um animal de outra espécie (ou um híbrido criado em laboratório) seria gestado com sucesso. Além do caso do íbex-dos-pirineus, recentemente um cavalo-selvagem-de-przewalski (Equus przewalskii) nasceu de uma fêmea de um cavalo doméstico (Equus ferus caballus) em um zoológico, já que a raridade da espécie torna sua reintrodução muito lenta. No futuro, pesquisadores pretendem implantar centenas de embriões do cavalo selvagem para serem gestados por fêmeas de cavalos-domésticos, acelerando exponencialmente a reprodução da espécie. Com o mamute, entretanto, esse ponto é mais uma polêmica, uma vez que elefantes-asiáticos estão cada vez mais ameaçados e se forem utilizados para a criação de mamutes, mesmo que em uma pequena quantidade, isso poderia comprometer a espécie a longo prazo devido a sua baixa taxa reprodutiva e à periculosidade de sua gestação de quase dois anos.

Batizado de Kurt, filhote de cavalo-selvagem-de-przewalski (Equus przewalskii) nascido de uma fêmea de cavalo doméstico. Seu material genético permaneceu 40 anos congelado antes desse feito - Foto de Scott Stine
Batizado de Kurt, filhote de cavalo-selvagem-de-przewalski (Equus przewalskii) nascido de uma fêmea de cavalo doméstico. Seu material genético permaneceu 40 anos congelado antes desse feito – Foto de Scott Stine

A curto prazo, entretando, a principal função da clonagem do mamute é o avanço tecnológico e científico. Em uma analogia simples, a principal função da NASA não é, necessariamente, o descobrimento de novos planetas ou a chegada do homem à lua. Além do marketing por trás dessas experiências (como mencionamos anteriormente), o desenvolvimento de tecnologias para esses feitos pode beneficiar a sociedade de forma geral, como a criação de novos materiais, alimentos e satélites. Indiretamente, essas pesquisas foram o que permitiram o surgimento da Internet, telefonia celular e GPS da forma que conhecemos. Da mesma forma, ao se clonar um animal tão difícil, a clonagem de organismos extintos há menos tempo, como o pombo-passageiro, ou a clonagem de animais em extinção se tornarão muito mais fáceis, podendo, inclusive, serem replicadas por outras empresas ou ONGs.

No entanto, o objetivo final do projeto piloto da empresa (e talvez o mais polêmico) é a refaunação da estepe dos mamutes. Esse bioma extinto era uma grande planície megaprodutiva, com uma densidade de grandes mamíferos semelhante àquela encontrada nas savanas africanas, que se estendia por grande parte do Hemisfério Norte, ocupando grande parte da Europa, Norte da Ásia e América do Norte. Provavelmente, o colapso desse ecossistema foi ocasionado pela extinção dos mamutes. Como demonstrado pelos cientistas do Pleistocene Park, a simples adição de grandes herbívoros na área foi responsável não só pela atração de aves, insetos, roedores e carnívoros, mas, também, transformou o permafrost visível em uma pastagem altamente produtiva.

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Anteriormente desprovida de grandes animais e de gramíneas, a região hoje possui uma alta biodiversidade – Fonte: Pleistocene Park – Divulgação

Embora a permanência do permafrost em estado sólido seja essencial para manter toneladas de metano aprisionadas no solo, as estepes produtivas dentro da área do parque se mostram ainda mais eficientes nesse papel, além de também aprisionarem toneladas de carbono. Grandes animais tendem a revirar o solo para se alimentar no inverno, impedindo que a neve se torne gelo sólido. Por outro lado, isso permite que o frio da região chegue em áreas mais fundas do solo, fazendo com que, no geral, o permafrost profundo (que mais acumula metano) fique muito mais protegido. Enquanto a temperatura do solo no inverno fica em torno de -7ºC nas áreas não restauradas, a temperatura nas áreas restauradas chega a -20ºC. Mesmo sem os mamutes, a restauração das estepes pode ser um ponto chave na desaceleração do aquecimento global.

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Diferença de temperatura do solo dentro e fora do parque – Imagem de Pleistocenepark

Em teoria, soltar mamutes em regiões estratégicas (preferencialmente já restauradas pela refaunação, reintrodução e monitoramento de grandes herbívororos) poderia acelerar a conversão do permafrost aflorado nas ricas estepes em várias décadas. Entretanto, não sabemos quais impactos negativos isso poderia ter no ambiente, principalmente por que esses animais não irão se comportar verdadeiramente como mamutes, tendo em vista que a cultura é uma parte essencial no comportamento de elefantes atuais. Além disso, com um planeta cada vez mais quente e com uma caça cada vez mais desenfreada, não é possível saber se esses animais serão caçados ou se sobreviverão sem o monitoramento constante e a guarda humana. Embora improvável, a ausência de predadores também podeira ocasionar problemas e criar uma superpopulação desses animais, prejudicando ainda mais a região.

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Embora fosse improvável que mamutes adultos tivessem predadores nessa região, filhotes provavelmente eram predados por lobos, hienas e grandes felídeos extintos – Arte por Hodari

Vale lembrar que os filmes do Jurassic Park sempre mencionam o fato de que um animal extinto não tem direitos, pois é apenas uma mercadoria. Embora queiramos acreditar nas boas intenções da empresa, ninguém sabe que tipo de exploração econômica poderia ser feita em cima desses organismos, desde um turismo não prejudicial até atrações em parques temáticos ou safáris de caça financiados por grandes milionários.

Por mais que parte de nós esteja extremamente contente com a possibilidade de ver um mamute com vida (eu inclusive), temos que questionar a ética por trás desses avanços científicos e todas as suas possíveis implicações. Uma vez que esse conhecimento for adquirido, dificilmente isso terá volta. O que pode representar o fim de extinções pode, também, ocasionar exploração econômica e a banalização das extinções atuais, uma vez que poderíamos recriar as espécies que extinguirmos. Provavelmente, esse será um dos maiores dilemas éticos de nosso século se colocado em prática. Resta torcer para que, realmente, essa ciência seja usada com cautela, respeito à natureza e, principalmente, seguindo os valores que a empresa diz possuir.

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Manada de mamutes na região da Beríngia – Por Julio Lacerda

Referências

Arte de capa por Beth Zaiken

Sites

Site Colossal

Pleistocene Park

Postagens de Tori Herridge

THE PRZEWALSKI’S HORSE (TAKHI) PROJECT

Artigos

Ecological and evolutionary legacy of megafauna extinctions

Ecological consequences of Late Quaternary extinctions of megafauna

Transforming ecology and conservation biology through genome editing

Carbon stocks in central African forests enhanced by elephant disturbance

Global vegetation patterns of the past 140,000 years

Effects of large herbivores on tundra vegetation in a changing climate, and implications for rewilding

Climate Change, Humans, and the Extinction of the Woolly Mammoth

Mammoth steppe: a high-productivity phenomenon

Where Might We Find Ecologically Intact Communities?

Late Quaternary megafaunal extinctions on the continents: a short review

Science for a wilder Anthropocene: Synthesis and future directions for trophic rewilding research – Jens-Christian Svenning, Pil B. M. Pedersen, C. Josh Donlan, Rasmus Ejrnæs, Søren Faurby, Mauro Galetti, Dennis M. Hansen, Brody Sandel, Christopher J. Sandom, John W. Terborgh, and Frans W. M. Vera

Megafauna and ecosystem function from the Pleistocene to the Anthropocene
Yadvinder Malhi, Christopher E. Doughty, Mauro Galetti, Felisa A. Smith, Jens-Christian Svenning, and John W. Terborgh

Livros

How to Clone a Mammoth“, por Beth Shapiro


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