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Empresa patrocinada por Bill Gates quer jogar poeira na atmosfera para bloquear o Sol. Mito ou verdade?

Um dos homens mais ricos do mundo e fundador da Microsoft, Bill Gates, está apoiando financeiramente um projeto um tanto quanto ousado, denominado Experimento de Perturbação Controlada Estratosférica (SCoPEx em Inglês), que estuda a possibilidade de pulverizar poeira atóxica de carbonato de cálcio (CaCO3) na atmosfera com o objetivo de refletir a luz do sol e…

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partículas aerossol

Um dos homens mais ricos do mundo e fundador da Microsoft, Bill Gates, está apoiando financeiramente um projeto um tanto quanto ousado, denominado Experimento de Perturbação Controlada Estratosférica (SCoPEx em Inglês), que estuda a possibilidade de pulverizar poeira atóxica de carbonato de cálcio (CaCO3) na atmosfera com o objetivo de refletir a luz do sol e compensar efeitos do aquecimento global.

Confesso que ao me deparar com tal proposta invasiva, sem antes me inteirar sobre o assunto, fiquei perplexa e logo julguei Bill (o Billionário) como um homem completamente megalomaníaco, sem ao menos entender ao certo suas motivações. Por isso irei dividir esse texto em duas partes: “Por que fazer e em que circunstância?” e “Por que não fazer em nenhuma circunstância?”. Sabemos bem que, para nos inteirarmos de um assunto, devemos compreender os dois lados de um mesmo ponto para, aí sim, tirarmos nossas próprias conclusões.

Já falamos algumas vezes sobre Mudanças Climáticas aqui no site e já mostramos que é possível contornar a situação atual se agirmos de forma rápida e muito eficiente. No entanto, existe uma pergunta que a maior parte dos cientistas do clima tentam responder: ‘e se nós não conseguirmos zerar nossas emissões a tempo?’ Você pode achar que os cientistas e estudiosos do tema são eternos pessimistas, mas não se trata disso. Todos nós já sabemos que quebramos um ciclo essencial à vida, o ciclo do carbono, e para mudarmos completamente de direção iremos demandar muito mais energia do que se mantivermos no trilho atual. É como se estivéssemos em um trem desgovernado.

Bem, e o que jogar poeira na atmosfera para refletir a luz do Sol tem a ver com um trem desgovernado? Para responder isso, temos que entender os “Por quês”.

Por que fazer e em que circunstância?

Os fatores de aceleração das Mudanças Climáticas

Bill gates, em seu livro “Como Evitar um Desastre Climático“, cita várias maneiras diferentes de como podemos contornar o desastre climático. Ele demonstra que será difícil, mas que é possível sim modificar nossos hábitos de consumo, como fabricamos, cultivamos, transportamos, esfriamos e aquecemos as coisas. Porém, apesar de se mostrar muito otimista, existem diversos eventos críticos capazes de acelerar drasticamente o ritmo das mudanças climáticas.

Um exemplo de um evento como esse seria o rompimento de estruturas cristalinas que existem no solo oceânico contendo grande quantidade de metano. Caso elas se tornem instáveis e se rompam, em um tempo relativamente curto, poderiam ocorrer desastres mundiais, arruinando todo o progresso já alcançado pela humanidade.

Um outro fator possível seria o desgelo permanente do Permafrost, incrivelmente mais perigoso do que o de geleiras, não só para nossa espécie, mas também para todo o planeta. Esse substrato, que ocupa mais de 25% da terra firme exposta do Hemisfério Norte, surgiu em meio a grandes quantidades de matéria orgânica presentes no solo. Dessa forma, ele acumulou, ao longo de milhares de anos, bilhões de toneladas de carbono, sobretudo na forma de metano e gás carbônico, e sua liberação agravaria ainda mais o efeito estufa. Um estudo publicado pela revista Bioscience apontou que o permafrost possui mais de 300 bilhões de toneladas de carbono, quantidade superior à das plantas no planeta,  e sua total liberação poderia acabar com ecossistemas do mundo inteiro. Nos níveis atuais de degelo, mais de 1 bilhão de toneladas de carbono poderão ser liberadas na atmosfera todos os anos, o que aceleraria em até 30% o aquecimento global.

Assim como esses dois, existem muitos outros eventos que estão sendo estudados e acredita-se que podem gerar efeitos tão catastróficos quanto. Mas em caso de incêndio, devemos puxar a alavanca? Será que estudar medidas ousadas ou delirantes para usá-las como um Plano B seria má ideia?

metano na atmosfera
O novo retrato tridimensional da NASA das concentrações de metano mostra o segundo maior contribuinte do mundo para o agravamento do efeito estufa.

Bill Gates e o Plano B

As tais tecnologias ousadas são chamadas de “geoengenharia”, iniciativas estas nunca testadas, que tocam em questões éticas muito delicadas. Mas segundo Gates, devemos estudá-las e debatê-las enquanto ainda podemos nos dar o luxo de estudar e debater. A geoengenharia é uma ferramenta emergencial moderna e seu objetivo não é substituir a responsabilidade de reduzir as emissões, e sim uma forma de ganhar tempo para poder agir. E é aí que entra o ScoPEx.

O SCoPEx usará ou adaptará muitos dos sensores de alto desempenho, bem como a experiência em engenharia de sistemas de voo desenvolvidos para esta pesquisa de ozônio. O que o Bill Gates está patrocinando é um experimento científico para ajudar na compreensão de algumas interações atmosféricas. Além disso, o projeto pretende usar um balão de alta altitude para levantar um pacote de instrumentos a aproximadamente 20 km na atmosfera. Uma vez no lugar, uma quantidade muito pequena de material (100 g a 2 kg) será liberada para criar uma massa de ar perturbada com cerca de um quilômetro de comprimento e cem metros de diâmetro. Em seguida, o mesmo balão será usado para medir as alterações resultantes na massa de ar perturbada, incluindo mudanças na densidade de aerossóis, química atmosférica e dispersão de luz.

Bill Gates pulveriza poeira atmosfera

Para que o experimento seja realizado, um voo teste foi proposto para acontecer na Suécia em junho de 2021. Este voo de balão proposto seria gerenciado pela Swedish Space Corporation (SSC), partindo do Esrange Space Center. Este teste não seria o experimento em si, mas sim um teste da plataforma SCoPEx sem a liberação de partículas.

Mas calma lá. Antes que várias pessoas se desesperem, quero deixar bem claro aqui que este é um experimento e não um teste. Mas faz diferença? Claro que sim. Quando, por exemplo, a empresa de telas de proteção desenvolveu o produto para a janela do seu apartamento, tenho certeza que não utilizaram em nenhum momento uma pessoa para testar a qualidade da rede. Na verdade, o objetivo principal ao comprar uma tela dessas é nunca precisar utilizá-la, assim como um Airbag. Esses seriam o chamado Plano B.

Da mesma forma, o SCOPEx é um experimento científico que pretende melhorar o conhecimento de alguns aspectos da física e química de aerossóis estratosféricos relevantes para a geoengenharia solar. Esse conhecimento aprimorará modelos em larga escala (que são todos dependentes de observações físicas) que, por sua vez, melhorarão as estimativas da eficácia geral e dos riscos da geoengenharia solar. Isso pode parecer uma mudança mínima, mas com toda certeza será importante. O estudo não está testando se é possível espalhar a luz solar de volta ao espaço, porque, para isso, demandaria um teste em larga escala. Na verdade o experimento tem como objetivo reduzir a incerteza em torno de questões científicas específicas, fazendo medições quantitativas e estudando riscos.

A maioria desses estudos se baseia na ideia de que para compensar as emissões de gases de efeito estufa (51 bi de toneladas por ano) precisaríamos reduzir a quantidade de luz do sol que chega ao planeta em cerca de 1%. Os cientistas sabem muito bem que partículas na atmosferas dispersam a luz solar, assim como os vulcões que, por vezes, tornaram as temperaturas planetárias muito mais baixas (como já falamos nesse texto aqui). Então, para gerar o resfriamento que gostaríamos bastaria aumentar em 10% o brilho das nuvens que cobrem 10% da área terrestre. Parece bem simples não é? Mas não é bem assim. E para entender isso precisamos de mais um “Por que”.

Bill Gates Atmosfera

Por que não fazer em nenhuma circunstância?

Brincando de Mãe Natureza

Já nos deparamos diversas vezes com as tentativas humanas de “salvar” a natureza por meio daquilo que somos mestres: intervenções. Por diversas vezes, durante a história da humanidade, utilizamos a engenharia e biologia para tentar consertar aquilo que havíamos estragado. Já falamos sobre isso no texto Aliens entre Nós, no qual mostramos como a Austrália, ao tentar controlar sua população de besouros-da-cana, levaram para a região uma nova espécie de Sapo-cururu. Na tentativa de fazer um controle biológico de pragas, introduziram uma nova espécie invasora que também se alimentava de espécies nativas e que anos depois se tornou uma praga por si só. Então, se qualquer intervenção é ruim, como vamos resolver o problema? A questão é mais complexa que se imagina.

A autora do livro “A Sexta Extinção“, Elizabeth Kolbert, escreveu mais um livro alarmante e importante, “Sob um Céu Branco: A Natureza do Futuro“. Esse livro aborda justamente sobre as tecnologias intervencionistas projetadas para evitar o aquecimento global. A autora traz à tona uma questão muito delicada: foi justamente nossa vontade e ímpeto de modificar a natureza que geraram a situação em que nos encontramos hoje. Será que não estaríamos cometendo o mesmo erro ao utilizar a mesma tática? Já aprendemos algumas lições sobre como, ao tentarmos modificar um desequilíbrio, podemos gerar resultados inimagináveis e até mesmo piores.

Existe uma preocupação real na comunidade científica de que colocar aerossóis reflexivos na atmosfera possa piorar secas e furacões em algumas regiões, caso essa geoengenharia seja implementada. A autora Kolbert questiona, não somente os efeitos que já são explorados, mas também aqueles imprevisíveis. Além de que, a pulverização dessas partículas poderia até mesmo branquear nosso céu azulado (motivo do título do seu livro.)

Caso o plano não funcione, corremos um risco duplo. Se 100.000 toneladas de sulfitos tiverem que ser dispersados no primeiro ano do programa, dez anos depois teria que ser dispersado um milhão de toneladas para produzir o mesmo efeito. Se o esforço fosse interrompido, todo o aquecimento diferido “de repente se manifestaria”, escreve Kolbert. “Seria como abrir uma porta de forno do tamanho de um globo”, conclui a autora.

Terra atmosfera billgates
O lançamento das primeiras imagens hoje do mais novo satélite da NOAA, GOES-16, é o mais recente passo em uma nova era de satélites meteorológicos. .

E agora, quem poderá nos defender?

Tenho certeza que, se você nasceu nas décadas de 80 ou de 90, a primeira resposta que vem na sua cabeça é: “Eu, o Chapolin Colorado!”. Porém, sinto te decepcionar, não há heróis nessa história. A questão climática é um problema grave e devemos pensá-la em conjunto. Se por um lado temos que estudar maneiras de protegermos a humanidade caso tudo chegue em um nível intolerável, não podemos contar apenas com estudos de tecnologias que nem sabemos ao certo sobre suas consequências. Bill Gates deixou bem claro que precisamos sim compreender melhor o impacto potencial da geoengenharia em qualquer lugar e é justamente por isso que ele está investindo nesses estudos.

Trata-se de uma preocupação legítima que merece muito mais estudos antes de até mesmo considerarmos aplicar a geoengenharia em larga escala no mundo real. Além disso, como a atmosfera é literalmente um assunto global, nenhuma nação isolada pode decidir tentar aplicar essa iniciativa por conta própria. Será preciso haver consenso. […] Se não mudarmos a situação, chegará o dia em que não teremos escolha. Melhor prepararmos para ele. “

Bill Gates

Os questionamentos da Elizabeth Kolbert são mais que legítimos e não são em nada antagônicos ao que Bill Gates propõe. Conhecer os riscos, os prós e contras e as possibilidades que ainda temos é o melhor dos mundos. Apoiar empresas que visam utilizar tecnologias mais limpas e menos invasivas é o real investimento.

Finalmente, respondendo a pergunta do título “Mito ou verdade”, eu diria que se trata de mito, já que ninguém quer que o mundo chegue no ponto de utilizar uma tecnologia tão invasiva quanto a emissão de aerossóis na atmosfera para bloquear o sol. Dizer que existe essa possibilidade não pode, em nenhuma circunstância, fazer com que os países e seus habitantes relaxem contando com um plano B. Ninguém, em sã consciência, bate seu carro intencionalmente contando com seu airbag. A mudança climática é real e devemos parar de achar que algo externo vai nos tirar dessa situação. A transformação deve ser agora e só depende de nós.


Referências

Estudo sobre o SCoPEx

Livro ” Sob um Céu Branco: A Natureza do Futuro

Livro “Como Evitar um Desastre Climático


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Comentários

Uma resposta para “Empresa patrocinada por Bill Gates quer jogar poeira na atmosfera para bloquear o Sol. Mito ou verdade?”

  1. Avatar de Mauro Assis
    Mauro Assis

    Ótimo texto. Assim como essa iniciativa, cujo estudo o Bill tá financiando, existe uma série de outras em que se planeja alguma forma de interferir no planeta em escala global para refrear os impactos do aumento da absorção de energia solar pelo globo.

    Acho que essas iniciativas tem que ser avaliadas dentro da perspectiva de que já vivemos o Antropoceno, era geológica em que todo o planeta passa por alterações por causa da presença humana, e isso começou lá atrás, quando o Sapiens resolveu se espalhar pelo mundo e destruiu parte dos biomas existentes, eliminando diretamente espécies que só conhecemos por fósseis.

    Se o estrago planetário causado por nós for tal que ameaçará nossa própria existência, será bom “messs” ter um plano B #roots.

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