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Aliens entre nós

Espécies não nativas, sendo localmente introduzidas. 

Por

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Acácia, arroz, bagre-africano, barata-doméstica, berinjela, bico-de-lacre, boi, cachorro, café, camundongo, cana-de-açúcar, carpa, cavalo, cedro, coelho-doméstico, gato, goiabeira, lagartixa,  laranjeira, mangueira, mosquito-da-dengue, pardal, peixe-dourado,  pombo, porco, ratazana, tigre-d’água, tilápia, trigo. O que todas essas espécies têm em comum? Elas não são nativas do Brasil, sendo, localmente, espécies introduzidas.

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Bico-de-lacre (Estrilda astrild), ave africana introduzida no Brasil. Foto por: Pedro Henrique Tunes

As espécies introduzidas, também conhecidas como “espécies exóticas” ou até mesmo como “espécies aliens” são, por definição, aquelas que vivem naturalmente em outras regiões do mundo mas, por interesse humano ou por acidente, são levadas para um determinado país e passam a se reproduzir na natureza. Dentre os interesses envolvidos nessa introdução, destaca-se a agricultura, a pecuária, a ornamentação, a utilização de espécies como animais de estimação e o uso do controle biológico de pragas, que citarei mais a frente.

Quando uma espécie introduzida começa a se espalhar para novas áreas, podendo assim representar uma ameaça para ecossistemas locais, seja através da predação, parasitismo ou competição por recursos, ela é considerada uma espécie invasora. A maioria das espécies invasoras provém de introduções acidentais, sobretudo por meio de navios. Espécies terrestres, como roedores e insetos, geralmente atingem um novo país através de cargueiros, onde são transportadas com mercadorias e, ao chegarem no novo ambiente, não apresentam predadores naturais, podendo se reproduzir de forma desenfreada e causar prejuízos para plantações e ecossistemas locais.

Espécies aquáticas tornam-se invasoras sobretudo devido à água de lastro, água captada no local de origem de um navio para manter sua estabilidade quando este precisa se deslocar vazio. Ao chegar em um porto para ser carregada, a embarcação irá liberar a água nele contida, podendo, assim, soltar no ambiente inúmeras larvas, peixes e microorganismos capturados em outro país, o que pode ter um impacto devastador nos mares e rios.

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Água de lastro contendo larvas e microorganismos

Desde o início do período paleolítico, cerca de 12 mil anos atrás, o ser humano transporta animais e plantas  para seu uso. Então, por que recentemente esse problema vem crescendo no mundo todo? Primeiramente, é importante ressaltar que, embora o problema pareça muito grande nos dias de hoje, os impactos do passado são difíceis de ser mensurados. Os cães chegaram na Austrália cerca de 12 mil anos atrás, levados por um grupo de aborígenes através de balsas. Esses animais, hoje conhecidos como dingos (Canis lupus dingo), já estavam presentes no continente como uma importante parte do ecossistema quando os colonizadores europeus chegaram, mas, provavelmente, geraram um grande impacto negativo logo após sua introdução no país.

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Dingo (Canis lupus dingo), uma das primeiras espécies introduzidas na Austrália. Foto por: Andrew Alderson

Em segundo lugar, transportes acidentais que anteriormente levariam meses, hoje podem ocorrer em poucas horas, o que aumenta a chance do animal, planta ou microorganismo sobreviver à viagem e alcançar um novo destino. Em seu livro ” A Sexta Extinção”, a autora Elizabeth Kolbert compara o mundo atual com uma “Nova Pangeia”, na qual as barreiras físicas entre países e continentes não importam mais para limitar o habitat de uma determinado organismo. Em todas as regiões do planeta, as espécies realizam uma co-evolução, sendo moldadas (no sentido figurado) para viver em conjunto com outras espécies do seu habitat, mas, ao introduzir uma nova espécie no local, toda teia alimentar pode entrar em colapso.

Atualmente esse colapso está ocorrendo em diversas áreas do mundo, sobretudo nos pântanos da Flórida. Esse ambiente, conhecido como Everglades, é o lar de diversas aves, mamíferos, répteis e anfíbios nativos, que evoluíram em conjunto por milhares de anos. Com o crescimento do comércio internacional de espécies exóticas, na década de 1970, diversos animais de outros continentes chegaram na região. Em 1980, donos de  pítons birmanesas (Python bivittatus), assustados com a agressividade e tamanho de alguns desses animais, os abandonaram nos pântanos. Nativas da Ásia e sem predadores naturais na Flórida, essas cobras alimentam-se de aves, crocodilos e mamíferos locais e hoje sua população está entre 30 mil e 300 mil indivíduos. Atualmente, a Flórida conta com javalis, cervos, macacos, teiús, cobras e sapos introduzidos, sendo um dos ecossistemas mais ameaçados por espécies exóticas do mundo.

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Teiú ( Tupinambis merianae), espécie nativa da América do Sul e introduzida na Flórida                            Foto por: Pedro Henrique Tunes

Um dos maiores e mais marcantes exemplos da invasão de um país por uma espécie é a Austrália. Por ter existido por milhões de anos em isolamento, a biodiversidade local evoluiu de forma independente de todo o mundo, o que gerou um grande número de espécies endêmicas. Estima-se que 83% dos mamíferos, 89% dos répteis, 24% dos peixes e  93% dos anfíbios não podem ser encontrados em nenhum outro local do planeta. Portanto, ao chegarem nesse país, os colonizadores não reconheceram como alimento os animais e plantas locais, o que fez com que importassem gramíneas, árvores frutíferas, ovelhas, porcos e bois. Para facilitar o transporte de mercadorias pelos desertos do país, o governo britânico enviou dromedários (Camelus dromedarius) para o local, que posteriormente foram soltos e sua população nesse país superou a de dromedários selvagens de seus países de origem.

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Dromedários (Camelus dromedarius) podem ser vistos hoje vagando  livremente por diversas áreas da Austrália                                                    Foto por: Neil Schultz

Animais como cervos, raposas e faisões foram levados para a Austrália para serem caçados por esporte, mas sua situação também saiu do controle. Em 1859, 24 coelhos europeus (Oryctolagus cuniculus) foram soltos no norte do país para uma caça esportiva particular, mas apenas 12 desses foram caçados. Anos depois, sua população começou a crescer tanto que em 1907 o governo australiano decretou a construção de uma cerca de 5.613 quilômetros de extensão para impedir que esses animais chegassem nas áreas mais populosas do país, na região sudeste. Em 1910, sua população ultrapassava os 10 bilhões, mas após um rigoroso programa de caça e envenenamento, sua população atual é de 2,5 milhões.

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Foto de 1988 tirada por Peter Bird mostra a cerca criada para conter a expansão dos coelhos pela Austrália.

Com tantos casos de espécies invasoras, a Austrália foi um dos primeiros países a testar o chamado controle biológico de pragas em grande escala, no qual uma espécie é introduzida intencionalmente para eliminar outra. Após enxames do besouro-da-cana (Dermolepida albohirtum) começarem a ameaçar a produção de açúcar do país, agricultores importaram uma espécie de sapo-cururu (Rhinella marina) nativa do Brasil, que se alimenta principalmente de besouros. Entretanto, esses sapos começaram a comer também insetos nativos e, em 1936, sua população já era de 200 milhões.

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Rhinella marina, espécie introduzida na Austrália em 1936. Foto por: Sam Fraser-Smith

Entre 1902 e 1906, o prefeito do Rio de Janeiro, Francisco Franco Pereira Passos, iniciou obras de modernização da cidade, incluindo trabalhos de saneamento básico e higienização, com o auxílio do médico  Oswaldo Cruz. Além da criação da lei, em 1904, que tornava a vacina da Varíola obrigatória  (que levou ao levante popular conhecido como Revolta da Vacina), policiais também invadiam casas para eliminar focos do mosquito Aedes aegypti, espécie invasora no país. Para evitar mais polêmicas, o prefeito importou 200 pardais (Passer domesticus) de Portugal para  tentar controlar a população de mosquitos urbanos na cidade. Desde então, essa ave se naturalizou no ambiente brasileiro, estando presente em todas as regiões.

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Pardal (Passer domesticus), introduzido no Brasil por ordem do prefeito do Rio de Janeiro, Francisco Franco Pereira Passos, em 1903.                                                                                            Foto por: Peter Moore

Se o controle biológico não é a melhor solução, o que pode ser feito para acabar com esse problema? A Nova Zelândia é uma das maiores vítimas no mundo desses aliens e tem prejuízo de mais de 2,37 bilhões de dólares por ano por causa deles. Por isso, é  pioneira em uma nova abordagem de espécies que visa eliminar todos os predadores não nativos do país, ao criar um programa de caça e envenenamento de ratos no meio selvagem. Um outro vilão nesse país é um mamífero muito conhecido por nós: o gato doméstico (Felis catus). Levados para o país no século XIX, esses animais atualmente possuem uma população local de mais de 1,5 milhão de indivíduos. Estima-se que esses felinos causaram a extinção de seis aves endêmicas e de outras 70 subespécies, já que, até a chegada do ser humano, a Nova Zelândia não possuía nenhum mamífero nativo e, portanto, as aves não possuíam predadores terrestres. O novo plano governamental visa castrar todos os gatos desse arquipélago e banir sua importação, para que, nos próximos 20 anos, sua população chegue a zero. Devemos, então, eliminar todas as espécies invasoras?

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Gato doméstico (Felis catus). Foto por: Pedro Henrique Tunes

Estudos mostram que, em alguns casos, espécies previamente invasoras tornam-se parte importante do ecossistema em que vivem, tornando-se as chamadas “espécies naturalizadas”. É o caso da lagartixa (Hemidactylus maboiuia) que chegou ao Brasil durante o  século XVI, provavelmente a bordo de navios negreiros, barcos que também serviram de transporte para outras espécies invasoras, como o Aedes aegypti. Originários da África, atualmente, esses lagartos noturnos vivem na maior parte da região tropical do planeta e, embora tenham gerado um impacto negativo nesses locais nos primeiros anos de invasão, hoje esse animal é o principal agente no combate de pragas domésticas como baratas e pernilongos.

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Lagartixa (Hemidactylus maboiuia), espécie invasora atualmente integrada ao ambiente. Foto por: Pedro Henrique Tunes

O manejo de espécies invasoras pode também ter impactos nas populações mundiais de determinados organismos. Vejamos o exemplo da tartaruga Palea steindachneri. Esse animal foi introduzido no Havaí para fins alimentícios mas hoje está criticamente ameaçada em seu habitat natural, na China. O mesmo acontece com hipopótamos na Colômbia, papagaios na Europa e até mesmo tigres nos Estados Unidos.

Portanto, devemos culpabilizar um animal levado pelo homem para um novo ambiente e simplesmente eliminá-lo? Temos o direito de matar um invasor para proteger o ecossistema local, aumentando a chance de sua extinção, ou devemos deixar a natureza resolver os problemas que nós causamos? Essas discussões mostram que os impactos que temos no planeta vão muito além do nosso meio de convívio e que ações feitas décadas atrás podem gerar desequilíbrios devastadores nos dias de hoje. Enquanto uma solução simples e viável não é criada para esse problema, o que podemos fazer é não comprar plantas e animais que podem ser provenientes do tráfico e nunca abandonar animais domésticos. Pequenas atitudes podem fazer uma grande diferença  no mundo, até mesmo em lugares que nem imaginamos.

Referências

  • Livro “Imperialismo Ecológico”, de Alfed W. Crosby
  • Livro “A Sexta Extinção”, de Elizabeth Kolbert
  • Texto “Cats are Evil”, de Laura Helmuth
  • Texto “It’s Time to Stop Thinking That All Non-Native Species Are Evil”, de Emma Marris
  • Texto “Os Pardais de Pereira Passos”, de Ferdinando José de Souza
  • Imagem da “Água de Lastro” retirada do site:  http://meioambiente.culturamix.com/natureza/agua-de-lastro-e-suas-ameacas-em-potencial

Para mais informações, visite http://www.iucngisd.org/gisd/


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