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Animais do Antropoceno – Conheça 3 híbridos criados por nós que conquistaram a natureza

O Antropoceno é um período marcado por extinções, mas também pelo surgimento de novas espécies. Conheça 3 híbridos criados pelo ser humano e que hoje vivem livremente. Introdução Para melhor compreender o tempo no nosso planeta, cientistas dividem espaços de tempo com características biogeográficas semelhantes em eras geológicas. Como contamos anteriormente, geólogos e conservacionistas consideram…

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O Antropoceno é um período marcado por extinções, mas também pelo surgimento de novas espécies. Conheça 3 híbridos criados pelo ser humano e que hoje vivem livremente.

Introdução

Para melhor compreender o tempo no nosso planeta, cientistas dividem espaços de tempo com características biogeográficas semelhantes em eras geológicas. Como contamos anteriormente, geólogos e conservacionistas consideram que estamos no Antropoceno, uma era geológica definida pelos impactos humanos em literalmente todos os ecossistemas do planeta.

Anthropocene - por https://www.anthropocene.info/
O Antropoceno é marcado pela alteração de todas as esferas do nosso planeta por nossa espécie – Por anthropocene.info

Embora tenhamos alterado o planeta de forma significativa ao longo dos últimos milhares de anos, por meio da destruição de florestas e ecossistemas inteiros, da extinção de 86% dos grandes animais do planeta e da aniquilação de diversos rios e lagos, o Antropoceno começou durante o século XVIII, após a criação do motor a vapor e do início das emissões extremas de carbono, em 1784. O impacto produzido pelo homem alterou a acidez dos mares e temperatura da Terra, além do padrão de chuvas e tempestades. Nos últimos 40 anos, o mundo perdeu 58% de sua vida selvagem.

Entretanto, nem só extinções marcaram o Antropoceno. Seja através da seleção artificial, da engenharia genética ou de forma acidental, nós criamos diversos organismos artificiais, alguns impossíveis de existir sem a nossa contribuição.

Na franquia Jurassic Park/ Jurassic Word, cientistas recriaram dinossauros não-avianos através da engenharia genética e, por uma série de erros (movidos pela teoria do caos, irresponsabilidade e, principalmente, pela vaidade), esses animais saíram do controle e se espalharam pelo mundo, o que será o foco do próximo filme da série, Jurassic World Dominion. Embora pareça apenas uma fantasia, a realidade não é tão diferente da ficção e não precisamos de filmes para observar um mundo com híbridos geneticamente modificados andando livremente.

Clone de um Tyrannosaurus rex fêmea invade cinema Drive Inn nos EUA no filme Jurassic World Dominion - Universal: Reprodução
Clone de um Tyrannosaurus rex fêmea invade cinema Drive Inn nos EUA no filme Jurassic World Dominion – Universal: Reprodução

O javaporco, híbrido indiscutivelmente perigoso, em breve ganhará um texto próprio devido à complexidade desse caso.

Conheça a seguir três animais criados pelo homem no Antropoceno que, cada vez mais, dominam o planeta à nossa volta.

1- GloFish (Danio rerio/ Gymnocorymbus ternetzi/Puntius tetrazona/Epalzeorhynchos frenatum/Betta sp. X Aequorea victoria/ Renilla reniformis /Discosoma sp., Entacmaea quadricolor, Montipora efflorescens, Anemonia sulcata, Lobophyllia hemprichii, Dendronephthya sp.)

Os chamados GloFish são peixes patenteados, criados em laboratório utilizando-se genes de organismos fluorescentes (sobretudo que expressam a proteína verde fluorescente ou GFP), como algumas espojas, corais e águas-vivas. Desenvolvidos inicialmente em 1999 como um projeto de pesquisa da Universidade Nacional de Singapura, tiveram seus direitos comprados e, posteriormente, atingiram os mercados dos Estados Unidos em 2003.

GloFish, peixes híbridos transgênicos fluorescentes, podem ser comprados em diversos países - Foto de Mongabay
GloFish, peixes híbridos transgênicos fluorescentes, podem ser comprados em diversos países – Foto de Mongabay

Rapidamente, eles ganharam o coração dos aquaristas, que queriam ter peixes transgênicos em casa. Além de possuírem cores vivas, esses animais emitem luz quando expostos a determinados tipos de radiação ultravioleta, criando aquários coloridos e brilhantes.

GloFish - Foto: Getty Images
Foto: Getty Images

Duas pesquisas independentes de 2014 apontaram que esses animais possuíam baixíssimo potencial invasor, uma vez que não se diferenciavam muito das espécies de peixes sem os genes fluorescentes, tendo sido liberados em diversos países. Acreditava-se, ainda, que seu brilho os tornariam presas mais fáceis. A realidade, entretanto, foi outra.

Foto: Site GlowFish
Foto: Site GlowFish

Mesmo sendo atualmente proibidos no Brasil, uma pesquisa de 2020 encontrou GloFishes em cinco localidades amostradas ao longo da Bacia do Paraíba do Sul, que cobre uma área de 55.500 quilômetros quadrados entre os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Infelizmente, ainda são facilmente encontrados para compra no país.

Comparação entre GloFishes e seus peixes de origem - Foto: Site GloFish
Comparação entre GloFishes e seus peixes de origem – Foto: Site GloFish

Além de competir com peixes nativos, não podemos saber os verdadeiros impactos desses animais artificiais no ecossistema, uma vez que não possuem predadores naturais (a espécie em questão não existe na bacia onde foi introduzida). Dessa forma, apenas o tempo mostrará como peixes brilhantes poderão afetar os rios da Mata Atlântica.

2 – Nanulak / Urso Grolar / Pizzly (U. arctos x U. maritimus)

Imagine viver em um lugar com ursos híbridos gigantes. Essa é a realidade de alguns habitantes do Canadá! O urso grolar ou pizzly é um híbrido entre as duas maiores espécies de ursos viventes, o urso-pardo (Ursus arctos) e o urso-polar (Ursus maritimus). Por convenção, o nome de um híbrido é dado baseado na espécie do pai. Portanto, se o pai for um urso-pardo (grizzly bear), o filhote será um urso-grolar (Grizzly + Polar). Se o pai for um urso-polar, o filhote será um urso-pizzly. Nanulak, por sua vez, é a mistura das palavras da língua inuit: urso polar (nanuk) e urso pardo (aklak).

Urso-polar à esquerda, urso-pardo à direita
Urso-polar à esquerda, urso-pardo à direita
Nanulak no Zoológico de Osnabrück, na Alemanha - Por windfuchs
Nanulak no Zoológico de Osnabrück, na Alemanha – Por windfuchs

Ao contrário da maioria dos animais híbridos, o Nanulak é um animal fértil, podendo gerar descendentes e, ainda, se repruduzir com ursos-pardos e ursos-polares igualmente. Curiosamente, com excessão do panda (Ailuropoda melanoleuca), todas as espécies de ursos podem se reproduzir entre si e gerar descendentes férteis, mas o nanulak é o único observado ocasionalmente na natureza.

Nanulak caçado e empalhado em exibição no aeroporto de Ulukhaktok, NT, Canada. Esse animal em questão era 3/4 urso-pardo e 1/4 urso-polar, não sendo um filhote direto de um cruzamento entre um urso-polar e um urso-pardo. Foto de Wikimedia Samuell
Nanulak caçado e empalhado em exibição no aeroporto de Ulukhaktok, NT, Canada. Esse animal em questão era 3/4 urso-pardo e 1/4 urso-polar, não sendo um filhote direto de um cruzamento entre um urso-polar e um urso-pardo. Foto de Wikimedia Samuell

Normalmente, ursos-pardos e ursos-polares não vivem nas mesmas regiões, mas o aquecimento global está fazendo com que ursos-pardos migrem para o norte em busca de um clima mais ameno, enquanto o derretimento de geleiras tem forçado o urso-polar a migrar para o sul em busca de alimento. Ao se encontrarem, as espécies podem reproduzir entre si, gerando descendentes férteis que, não só atuam como uma espécie à parte (se comportando ao mesmo tempo como um pardo e um polar), mas também gerando as chamadas introgressões, processos reprodutivos com uma das espécies que contaminam o pool gênico de uma população de ursos-pardos com genes de ursos-polares e vice-versa.

Distribuição de ursos na América do Norte - Por Geology.com
Distribuição de ursos na América do Norte – Por Geology.com

Embora Nanulaks já tenham surgido em zoológicos de forma intencional ou não, estudos apontam que esses eventos ocorreram algumas vezes nos últimos milhares de anos. Entretanto, a frequência do aparecimento de nunalaks vem aumentado. Enquanto o primeiro caso confirmado na natureza foi em 2006, um outro exemplar já foi encontrado em 2010, seis outros foram achados entre 2012 e 2014 e, em 2017, uma única fêmea de urso-polar gerou oito filhotes com ursos-pardos. Dessa forma, espera-se que sua população continue a aumentar nos próximos anos.

Foto de um Nanulak por Philippe Clement/Arterra/Universal Images Group via Getty Images
Foto de um Nanulak em cativeiro por Philippe Clement/Arterra/Universal Images Group via Getty Images

3 – Coywolf (Canis lycaon x Canis lupus x Canis latrans X Canis familiaris X Canis rufus)

Assim como no caso do nanulak, o coywolf (nome que mistura coyote e wolf) surgiu na natureza, mas devido à ações humanas. Após o extermínio de lobos na maior parte do Leste dos Estados Unidos após a invasão europeia, coiotes (Canis latrans) começaram a se proliferar rapidamente.

Da esquerda para a direita, lobo-cinzento (Canis lupus), lobo-do-leste (Canis lycaon), lobo-vermelho (Canis rufus) e coiote (Canis latrans) - DENNIS MATHESON/FLICKR (GRAY WOLF); STEFFEN239/FLICKR (EASTERN WOLF); CHRISTINE MAJUL/FLICKR (RED WOLF); MAV/WIKIMEDIA COMMONS (COYOTE)
Da esquerda para a direita, lobo-cinzento (Canis lupus), lobo-do-leste (Canis lycaon), lobo-vermelho (Canis rufus) e coiote (Canis latrans) – DENNIS MATHESON/FLICKR (GRAY WOLF); STEFFEN239/FLICKR (EASTERN WOLF); CHRISTINE MAJUL/FLICKR (RED WOLF); MAV/WIKIMEDIA COMMONS (COYOTE)
Coywolf na neve - Por ForestWander - Wikimedia
Coywolf na neve – Por ForestWander – Wikimedia

Ao se moverem para o leste, os coiotes se encontraram com os lobos-do-leste (Canis lycaon) e se reproduziram, gerando descendentes férteis. Mais adaptados para a região do que os coiotes e menos odiados que os lobos, rapidamente se tornaram o canídeo mais comum nas florestas e pradarias.

Pesquisas mais recentes demonstraram que, além do DNA das duas espécies em questão, essa população apresenta genes de cães domésticos (C. familiaris), de lobos-cinzentos-das-pradarias (uma subespécie de lobo-cinzento, C. lupus nubilus) e de lobos-vermelhos (Canis rufus), o que demonstra organismos híbridos formados por múltiplas espécies.

Coywolf fotografado por Lauren Bettino
Coywolf fotografado por Lauren Bettino

Essas misturas, entretanto, nem sempre foram diretamente movidas pela nossa espécie. Uma pesquisa recente indica que os ancestrais dos lobos-cinzentos e coiotes se divergiram há apenas 6.000–117.000 anos atrás e que o lobo-vermelho (Canis rufus), uma espécie criticamente ameaçada, bem como o lobo-do-leste, surgiram a partir da mistura de lobos e coiotes em diferentes momentos.

O lobo-vermellho e o lobo-do-leste surgiram a partir da hibridização entre coiotes e lobos-cinzentos. O coiote é uma espécie comum, não protegida por lei. O lobo-vermelho (cujo DNA é composto de 10-20% de lobo-cinzento e 90-80% de coiote ) é uma espécie ameaçada e protegida, com menos de 50 indivíduos na natureza. O lobo-do-leste é uma espécie não protegida, cujo DNA é composto de 40-50% de lobo-cinzento e 60-50% de coiote. O lobo-cinzento é uma espécie também protegida por lei - Imagem de L-Dopa Design + Illustration - Princeton
O lobo-vermellho e o lobo-do-leste surgiram a partir da hibridização entre coiotes e lobos-cinzentos. O coiote é uma espécie comum, não protegida por lei. O lobo-vermelho (cujo DNA é composto de 10-20% de lobo-cinzento e 90-80% de coiote ) é uma espécie ameaçada e protegida, com menos de 50 indivíduos na natureza. O lobo-do-leste é uma espécie não protegida, cujo DNA é composto de 40-50% de lobo-cinzento e 60-50% de coiote. O lobo-cinzento é uma espécie também protegida por lei – Imagem de L-Dopa Design + Illustration – Princeton

Embora isso demonstre a plasticidade dessas espécies, essas hibridizações recentes dificultam severamente a conservação desses animais. Enquanto um coiote, por exemplo, é uma espécie comum e frequentemente caçada, um lobo-vermelho é uma espécie ameaçada e protegida por lei. Se as populações de lobos-vermelhos se misturarem com as dos coiotes, toda a sua proteção legal poderá acabar e a espécie poderá ser extinta, seja pela caça, seja por sua incorporação (mais evidente) no DNA dos coiotes.

Referências

André Lincoln Barroso Magalhães, Marcelo Fulgêncio Guedes Brito & Luiz Gustavo Martins Silva (2022) The fluorescent introduction has begun in the southern hemisphere: presence and life-history strategies of the transgenic zebrafish Danio rerio (Cypriniformes: Danionidae) in Brazil, Studies on Neotropical Fauna and Environment, DOI: 10.1080/01650521.2021.2024054

Hailer, F.; Kutschera, V. E.; Hallstrom, B. M.; Klassert, D.; Fain, S. R.; Leonard, J. A.; Arnason, U.; Janke, A. (2012). “Nuclear Genomic Sequences Reveal that Polar Bears Are an Old and Distinct Bear Lineage”. Science336 (6079): 344–347.

Hill, Jeffrey E.; Kapuscinski, Anne R.; Pavlowich, Tyler (2011). “Fluorescent Transgenic Zebra Danio More Vulnerable to Predators than Wild-Type Fish”. Transactions of the American Fisheries Society140 (4): 1001–1005. doi:10.1080/00028487.2011.603980

von Holdt, B.M.; Cahill, J. A.; Fan, Z.; Gronau, I.; Robinson, J.; Pollinger, J.P.; et al. (2016). “Whole-genome sequence analysis shows that two endemic species of North American wolf are admixtures of the coyote and gray wolf”Science Advances2 (7): e1501714.

Kutschera, Verena E.; Bidon, Tobias; Hailer, Frank; Rodi, Julia L.; Fain, Steven R.; Janke, Axel (2014). “Bears in a Forest of Gene Trees: Phylogenetic Inference is Complicated by Incomplete Lineage Sorting and Gene Flow”Molecular Biology and Evolution31 (8): 2004–2017. doi:10.1093/molbev/msu186

Richardson, Evan; Branigan, Marsha; Paetkau, David; Pongracz, Jodie D. (May 31, 2017). “Recent Hybridization between a Polar Bear and Grizzly Bears in the Canadian Arctic”Arctic70 (2): 151–160. 

Rutledge, L. Y.; White, B. N.; Row, J. R.; Patterson, B. R. (2012). “Intense harvesting of eastern wolves facilitated hybridization with coyotes”Ecology and Evolution2 (1): 19–33. doi:10.1002/ece3.61

“Bear shot in N.W.T. was grizzly-polar hybrid”

‘Pizzly’ bear hybrids are spreading across the Arctic thanks to climate change

GM fish engineered to glow in the dark are found in Brazil creeks

Glofish Website

GloFish Introduces New Betta Species to Family of Fluorescent Fish


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