O Rio Amazonas é considerado por muitos o maior rio do planeta. Com quase 7 mil quilômetros de comprimento, uma bacia que ocupa cerca de 40% de toda a América do Sul e uma vazão de 209.000 m³/s (o equivalente à vazão combinada dos sete outros maiores rios do planeta), esse corpo d’água é responsável por 20% de toda água doce despejada nos oceanos diariamente. Mas afinal, de onde vem toda a sua água? Como é possível que ele exista? E ainda, como ele surgiu?
As origens do Rio Amazonas remontam à Gondwana, um supercontinente formado pela junção da América do Sul, África, Antártida, Austrália e do sub-continente indiano. Na metade do período Cretáceo, há cerca de 100 milhões de anos, uma grande bacia, apelidada de “proto-Amazon-Congo river system” existia desde a porção central do continente africano até o Oceano Pacífico. Um grande rio que cruzava os dois continentes no sentindo leste-oeste, oposto ao Amazonas atual, foi, provavelmente, um dos maiores que já existiram na história do nosso planeta, mas foi parcialmente destruído com o surgimento do Oceano Atlântico. A nova bacia exclusivamente africana formou o molde para o que se tornaria o Rio Congo milhões de anos depois.
Durante a separação dos dois continentes, o fluxo de água na porção sul-americana foi cortado, e, posteriormente, sua bacia foi invadida pelos oceanos circundantes, criando uma área de mares rasos e recifes. Posteriormente, a porção Atlântica foi fechada com o surgimento de uma cadeia de montanhas na região, deixando aberta apenas a conexão com o Oceano Pacífico e, posteriormente, criando rios que desaguariam no mar interior do continente.
A quebra da Gondwana foi causada pela movimentação no sentido leste-oeste da Placa Sul-Americana, que colidiu com a Placa de Nazca, que, por sua vez, se movia no sentido oeste-leste. Esse choque ocasionou a subducção de Nazca e, consequentemente, o fechamento do braço do pacífico para dentro da América do Sul, na região que se tornaria os Andes. Esse processo gerou um mar interior com espécies, sobretudo do pacífico, que deixaram linhagens que evoluíram em condições salobras e, posteriormente, na água doce, uma vez que o constante fluxo de rios para o mar interior e a deposição de sais foi progressivamente reduzindo a salinidade da água. Atualmente, mais de 20 espécies de raias de água-doce, filogeneticamente próximas a raias de água-salgada do Pacífico, vivem no Amazonas.
Nos milhões de anos seguintes, o surgimento de uma cordilheira na porção central do continente, além do aparecimento da floresta amazônica 15 milhões de anos atrás, criou uma rede de afluentes que desaguavam no grande lago amazônico, que transbordou e criou um novo rio em direção ao Pacífico. (Para entender como as florestas podem alterar o regime de chuvas e criar rios, clique aqui). Há cerca de 9 milhões de anos, golfinhos do Pacífico colonizaram o continente, dando origem aos botos dulcícolas. Entretanto, o crescimento acelerado dos Andes durante o Mioceno, entre 8 e 6 milhões de anos atrás, cortou a sua drenagem, criando uma rede de planícies alagadas entre as duas cordilheiras, além de um rio que seguia na direção do Atlântico na porção leste dos Arcos Purus. Essa bacia endorreica foi o que originou a Bacia do Solimões, que existe até hoje na área e possui uma fauna exclusiva.
Pouco tempo depois, essa bacia cavou seu caminho pelos Arcos Purus e originou um rio que unia as porções leste e oeste dessa cordilheira, criando, finalmente, o Rio Amazonas. O ciclo de glaciações ocorrido nesse período colaborou para a drenagem do grande lago para dentro do rio, além de favorecer que milhares de litros de água, vindos dos Andes, entrassem na bacia, o que aumentou ainda mais o seu fluxo. Cerca de 4 milhões de anos atrás, surgiu uma corrente de ar, que partia da África e chegava na Amazônia, carregando toneladas de nutrientes do recém formado Saara para a floresta, o que colaborou para a sua expansão. O crescimento da floresta corroborou para a manutenção do rio e para o surgimento de inúmeras outras bacias da América do Sul, através dos rios voadores. Cerca de 3 milhões de anos atrás, uma nova leva de animais vindos do Atlântico colonizou sua foz e alguns se adaptaram à água-doce, como o peixe-boi-da-amazônia (Trichechus inunguis), que vive exclusivamente no rio, e o tubarão-cabeça-chata (Carcharhinus leucas), espécie marinha que pode ser eventualmente encontrada a mais de 4.000 quilômetros de seu delta. A quantidade de sedimentos transportados pelo rio era tanta que essa característica moldou o leito oceano perto de sua foz e possibilitou a fixação de corais, que são nutridos pelos sedimentos da bacia. Um recife com mais de 9,500 km² existe no local até hoje, com uma fauna conhecida de 40 espécies de coral, 60 espécies de esponja (sendo 29 ainda não descritas pela ciência) e 73 espécies de peixes.
A configuração e os ciclos atuais do Rio Amazonas são, relativamente, muito recentes, tendo sido firmadas há pouco mais de 400 mil anos. Entretanto, a porção central da bacia manteve uma configuração similar nos últimos milhões de anos, sobretudo nas regiões de planícies alagadas. O lento fluxo de água nessas áreas gerou meandros extremamente longos, que caracterizam a área. Durante a época das cheias, a região se torna uma grande planície alagada, com uma diferença de até 7 metros no nível da água em algumas regiões.
Atualmente, no seu ponto mais largo, o Rio Amazonas pode alcançar 11 quilômetros entre uma margem e outra e até 100 metros de profundidade em sua região mais profunda. Possui mais de 2.500 espécies de peixes, além de centenas de espécies de plantas endêmicas. Ele desloca tanta massa diariamente que é capaz de criar uma anomalia no campo eletromagnético da Terra sobre a América do Sul. Ele é essencial para a manutenção da floresta e de inúmeras comunidades locais. Sua relevância mundial se deve, principalmente, a seu valor sócio-ambiental e a sua história, que nos mostra a mutabilidade do planeta e, ao mesmo tempo, nos ensina a importância da preservação de nossa natureza.
Referências
Sobre o Amazonas
Texto “Amazon River”, publicado no site geologypage.com
Origem Gondwanica do Amazonas
Artigo “Modification of the Western Gondwana craton by plume–lithosphere interaction”, por Hu et al.
Texto “The Amazon-Congo River“
Origem dos Andes e Inversão do Fluxo do Amazonas
Texto “Age of the Amazon River estimated at 11 million years”, publicado no site Mongabay.com
Artigo “Amazonia Through Time: Andean Uplift, Climate Change, Landscape Evolution, and Biodiversity”, por Hoorn et al.
Artigo “Eustatic and tectonic change effects in the reversion of the transcontinental Amazon River drainage system”, por Caputo e Soares
Artigo “Late Miocene onset of the Amazon River and the Amazon deep-sea fan: Evidence from the Foz do Amazonas Basin”, por Figueiredo et al.
Cetáceos Sul-Americanos
Artigo “Isthminia panamensis, a new fossil inioid (Mammalia, Cetacea) from the Chagres Formation of Panama and the evolution of ‘river dolphins’ in the Americas”, por Pyenson et. al
Tubarão-cabeça-chata no Amazonas
Texto “Sharks In The Amazon River?”, publicado no site rainforestcruises.com
Recife Amazônico
Artigo “An extensive reef system at the Amazon River mouth”, por Moura et al.
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