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O que acontece com nosso corpo quando morremos? Embora pareça uma pergunta simples, o destino de nossos corpos é muito mais complexo do que imaginamos e tem um impacto significativo no meio ambiente. A morte é um processo irreversível no qual as atividades metabólicas de um organismo são interrompidas. O que fazer com as 55.3 milhões de pessoas que morrem todo ano?
Embora a morte e a decomposição sejam iminentes para todos os seres humanos, esses processos são temidos pela maior parte da população. Atualmente, a indústria funerária utiliza diversos mecanismos para distanciar ao máximo a morte de nosso cotidiano, o que contribuiu para a consolidação desse mercado, que move mais de 16 bilhões de dólares ao ano pelo mundo, segundo dados da National Funeral Directors Association (NFDA). Para isso, são utilizadas técnicas caras, extremamente prejudiciais ao meio ambiente e, na maioria das vezes, completamente desnecessárias, o que contribui para aumentar o preço desses procedimentos.
Um enterro em um cemitério privado nos Estados Unidos custa hoje, em média, 7.200 dólares. No Brasil, sepultar um corpo em um cemitério municipal custa a partir de 700 reais, mas o valor pode chegar até 20 mil reais em cemitérios privados. Grande parte desse preço está agregado nos três pilares da indústria funerária: proteção, sanitação e embelezamento.
A proteção consiste na venda de grandes caixões de madeira sólida, selados com fitas de borracha, depositados em grandes caixas de cimento ou metal no solo ou em mausoléus. A maioria dos túmulos atuais encontrados no mundo funciona como um cofre de armazenagem, no qual os corpos jamais entrarão em contato com a terra ao seu redor. Anualmente, centenas de toneladas de madeira e cimento são utilizados nesse processo, que possui a única função de atrasar a decomposição inevitável do corpo.
A limpeza do corpo ou sanitação, por sua vez, consiste na preservação química, realizada através da embalsamação, também chamada de tanatopraxia. Primeiramente, todo o sangue do corpo é drenado por uma bomba e, posteriormente, descartado, muitas vezes clandestinamente no esgoto convencional. Em seguida, o corpo é preenchido por uma solução extremamente tóxica, composta por água, corantes e formaldeído. Essa prática, supostamente, tem como objetivo preservar o corpo por tempo suficiente para que ele possa ser velado e eliminar possíveis patógenos dos cadáveres, de forma a não oferecer risco aos familiares e amigos. Entretanto, em condições normais de temperatura e umidade, um corpo só irá apresentar sinais visíveis de putrefação após o terceiro dia. Além disso, cadáveres só apresentam risco para a população quando a pessoa morreu de alguma doença extremamente contagiosa, como Ebola por exemplo. Portanto, o embalsamamento deveria ser apresentado como uma opção para o comprador de um plano funerário, e não como a regra geral. Além disso, túmulos podem ser inundados durante as chuvas e transportar esses compostos químicos para o solo e aquíferos subterrâneos, contaminando todo o ambiente no entorno do local. Dados recentes apontam que mais de 3 milhões de litros de formol são usados por ano somente nos Estados Unidos para esse procedimento, o que é uma grande ameaça para os ecossistemas locais e para a saúde da população.
Por fim, o embelezamento é realizado através de maquiagem, corantes químicos e cirurgias plásticas post mortem. Além disso, caixões ornamentados e flores são vendidos a preços absurdos. Embora essa etapa não ofereça um grande impacto ambiental, ela proporciona um grande impacto econômico para as famílias que utilizam os serviços funerários. Geralmente, opções mais caras são as únicas oferecidas pelas funerárias, sendo que caixões não ornamentados e funerais mais simples só são utilizados por aqueles que diretamente solicitam esse serviço, que pode ser até 1/30 do preço de pacotes tradicionais.
Já a cremação é hoje considerada por muitas pessoas como uma opção mais prática que os enterros convencionais. Embora a maioria das empresas só ofereça a cremação após o embalsamamento do corpo, essa prática evita que os produtos químicos escoem para o solo e, por isso, é mais ecológica que o sepultamento. Entretanto, para que a cremação seja realizada, é necessária uma temperatura de pelo menos 900 graus Celsius por cerca de duas horas, o que demanda grandes quantidades de combustível. Uma única cremação gera vários quilos de gás carbônico e gasta a mesma quantidade de gás natural necessária para se realizar uma viagem de carro de 800 quilômetros.
Já que as técnicas mais utilizadas atualmente não são ecologicamente sustentáveis, quais seriam as melhores formas de disposição de corpos?
A cremação líquida, também chamada de hidrólise alcalina, é uma forma mais ecológica de cremação, na qual o corpo é depositado em um tanque de metal e dissolvido em água e soda cáustica em temperaturas extremamente altas. O resultado é um composto muito semelhante às cinzas da cremação convencional, mas esse procedimento gasta muito menos combustíveis fósseis e praticamente não gera poluentes.
Um segundo método, utilizado por milhares de anos mas que perdeu forças após o fortalecimento da indústria funerária, é o enterro tradicional. Nesse processo, o corpo é velado sem ser embalsamado e, posteriormente, é envolvido em um pano ou depositado em um caixão biodegradável e enterrado diretamente no solo, sem a utilização de proteções de cimento no túmulo. Essa forma de enterro não gera poluentes, não ocupa tanto espaço e é extremamente barata, razão pela qual é preterida pelas empresas, que lucram muito menos.
O modo mais sustentável, entretanto, é a compostagem de cadáveres. Ao enterrar o corpo com uma mistura de nutrientes, ele irá se decompor totalmente em quatro semanas, sendo reduzido a apenas ossos e, ao mesmo tempo, fertilizando o solo e promovendo o crescimento de plantas no local. Assim, cemitérios que antes eram áreas inutilizáveis para outras atividades podem se tornar refúgios para a vida selvagem, áreas de preservação e parques, criando áreas de interação em que as famílias podem visitar seus entes queridos, plantar árvores e prestar seu respeito aos mortos em contato com a natureza.
Embora essas opções ainda não estejam disponíveis no Brasil, saber que os métodos convencionais de destinação dos corpos não são a única opção é um grande passo rumo a uma vida mais consciente. O primeiro passo para a mudança é o conhecimento, e quanto maior for a demanda para esse tipo de serviço, maior será a chance de sua adoção. Ao aderir a planos funerários ou contratar seus serviços, questione sobre as opções por caixões biodegradáveis, enterros diretamente na terra ou sem embalsamento. Nossas atitudes em vida, por mais que tenham um grande impacto, são realizadas em um tempo determinado. Por sua vez, após a morte, nossos corpos terão um impacto permanente no ambiente e na sociedade ao nosso redor. Por isso, não tenha medo de informar à sua família e amigos qual destinação você quer que seja dada ao seu corpo após a sua partida. Por mais desagradável que essa conversa possa parecer em um primeiro momento, a morte faz parte do ciclo natural da vida e quanto mais falarmos sobre isso, mais fácil será lidar com esse assunto.
Do pó viemos e a terra tem sentindo a nossa falta. Por isso, é importante saber a melhor forma de retornar para ela.
Referências e Agradecimentos
- Todo o trabalho de Caitlin Doughty, que me inspirou escrever esse texto, assim como seu canal no YouTube: https://www.youtube.com/user/OrderoftheGoodDeath/videos
- Ao seu movimento Death Positive, do qual sou um participante: http://www.orderofthegooddeath.com/death-positive
- Ao site http://www.ecology.com/birth-death-rates/
- À matéria da revista Exame intitulada “Os custos do enterro e da cremação”
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