Estradas são construções humanas criadas para conectar duas localidades e permitir o deslocamento de carros, bicicletas, caminhões, ônibus, motocicletas e outros veículos automotivos. A popularização de carros a partir da década de 50 fez com que Estados do mundo todo investissem nesse tipo de infraestrutura, conectando grandes capitais, cidades pequenas, vilarejos e aldeias, o que possibilitou o desenvolvimento de muitas áreas. Entretanto, embora sejam extremamente práticas, elas são um grande problema ambiental no nosso planeta, sendo responsáveis por quilômetros de desmatamento, pela fragmentação de habitats e pela extinção local de milhões de espécies no mundo todo. Conheça os desafios para a biodiversidade criado por essas barreiras e como podemos superá-los.
Primeiramente, não podemos deixar de mencionar um problema que a pavimentação gera, até mesmo dentro das grandes cidades: os alagamentos. Escrevemos diversos textos que retratam esse assunto, que podem ser encontrados no seguinte link: Enchentes são nossa culpa?!
Somando dados rodoviários internos de cada país, estima-se que existam 21 milhões de quilômetros de estradas no planeta, o equivalente a 54 vezes a distância da Terra e da Lua. Para sua construção, milhões de quilômetros de biomas nativos foram desmatados, alterando os ecossistemas de forma irreversível em muitos locais. Além disso, a matéria prima para a confecção desses locais lança toneladas de materiais tóxicos no meio ambiente, sobretudo na atmosfera. Quando prontas, as estradas contribuem para a chegada de pesticidas em locais diferentes daqueles em que foram aplicados e de óleo em lençóis freáticos. Ao mesmo tempo, sabemos que ruas e estradas são necessárias. Como resolver esse problema?
Atualmente, locomotivas são a melhor maneira de transportar mercadorias internamente em um país. A força da indústria automobilística, somada ao desconhecimento da população desse fato fazem com que governos de países em desenvolvimento tendam a construir cada vez mais estradas, mesmo que isso tenha um enorme impacto ambiental. A ABIFER (Associação Brasileira da Indústria Ferroviária) lançou recentemente, com dados baseados em estudos científicos, estatísticas que comprovam que os trens são uma medida viável para substituir o transporte rodoviário de mercadorias, responsável pela maior parte dos impactos relativos às estradas:
1 – Numa distância de 1 km, um caminhão consome 13 vezes mais energia que um trem para transportar uma tonelada de frete.
2 – Uma via férrea de um único par de trilhos equivale a uma via expressa de 14 pistas paralelas.
3 – Um comboio de 200 vagões transporta tanto quanto 400 carretas rodoviárias.
4 – Acrescentar um único trem de frete à rede equivale a retirar da circulação até 280 caminhões.
5 – Redução dos níveis de poluição do ar, sobretudo quando o transporte ferroviário for movido à energia elétrica.
6 – No caso de locomotivas movidas a diesel, o reservatório tem capacidade para 15.000 litros. A maior parte dos trens pode percorrer mais de 1600 km sem precisar reabastecer.
7 – Rodovias transportam 3 vezes mais cargas que ferrovias, mas o custo é 6 vezes maior.
Entretanto, o principal impacto das estradas na biodiversidade é direto. Geralmente criadas para o transporte de mercadorias, as estradas são facilitadoras para o desmatamento ilegal, caça, tráfico de animais, início de queimadas e dispersão de espécies invasoras. O Brasil é, segundo dados do GRIP (Global Roads Inventory Dataset), o 4º país com a maior malha rodoviária, com mais de 11 mil quilômetros de rodovias. Todos os anos, mais de 475 milhões de animais selvagens são mortos por atropelamentos em nosso território, o equivalente a mais de 15 mortes por segundo, superando a caça ilegal, o desmatamento e a poluição. Por esse motivo, estradas se tornam verdadeiras armadilhas para a biodiversidade, reduzindo drasticamente as populações animais locais.
Dependendo do tamanho do organismo, atravessar uma rodovia sem morrer é virtualmente impossível em locais movimentados, o que cria barreiras e isola comunidades já ameaçadas. Os Estados Unidos possuem um amplo registro de atropelamento de grandes animais. Surpreendentemente, carros e caminhões são a maior causa da redução populacional de animais em extinção, como é o caso da Pantera-da-Flórida (Puma concolor coryi), com pouco mais de 230 indivíduos vivendo na natureza atualmente. Além do risco para os animais, 0,04% das colisões resultam em mortes humanas, sobretudo em áreas isoladas.
Enquanto a construção de muros e cercas podem impedir até 50% dos atropelamentos de animais em estradas (Public Library of Science, 2016), elas mantêm o isolamento de subpopulações, o que por si só já é uma ameaça, por limitarem sua capacidade de reprodução e de diversificação genética, além da sua área de procura por alimentos. Por esse motivo, autoridades do Canadá determinaram a construção de corredores para a travessia de animais nos anos 80, uma tendência que vem sendo copiada por todo o planeta. Pesquisadores estudaram os principais ambientes de travessia usados por cervos, ursos e lobos e, baseados nesses dados, cercaram o resto das rodovias, com exceção da entrada de túneis e pontes, criados exclusivamente para a vida selvagem. Após a construção desses caminhos, o número de atropelamentos caiu para 6% da quantidade original e a maioria das espécies dobraram sua área de ocorrência.
Embora essa medida esteja sendo adotada com frequência na Europa, Singapura e em algumas áreas dos EUA, ela ainda é pouco utilizada pelo resto do planeta, sobretudo devido ao seu custo inicial. O custo por carro de acidentes de trânsito envolvendo animais é relativamente baixo e investimentos como esse levam mais de 20 anos para mostrarem algum retorno. Entretanto, a fuga dos animais pela destruição de seus habitats e o aumento no número de carros tornarão esse tipo de colisão cada vez mais comuns. Quando resolvermos priorizar os investimentos de longo prazo e aplicar dinheiro em serviços ecossistêmicos, já será tarde demais para muitas espécies, e esse é um preço que ninguém poderá pagar.
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Referências
https://datacatalog.worldbank.org/dataset/grip-global-roads-inventory-dataset-2018-road-density
https://abifer.org.br/logistica-trem-versus-caminhao/
http://cbee.ufla.br/portal/atropelometro/
http://www.takepart.com/article/2015/01/04/slow-down-drought-making-bears-road-kill
https://www.iucnredlist.org/species/18868/97216466
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/10/150924_atropelamentos_fauna_tg
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