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A volta das baleias – Como a proibição mundial da caça conseguiu salvar dezenas de espécies da extinção

A caça de baleias é uma prática extremamente antiga, que se inciou no Hemisfério Norte, há cerca de 6.000 anos, para suprir as demandas alimentares de povos na Escandinávia e no mar do Japão. Entretanto, nos últimos séculos, a baleação tomou proporções devastadoras, destruindo teias alimentares complexas e levando os maiores animais da Terra à…

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A caça de baleias é uma prática extremamente antiga, que se inciou no Hemisfério Norte, há cerca de 6.000 anos, para suprir as demandas alimentares de povos na Escandinávia e no mar do Japão. Entretanto, nos últimos séculos, a baleação tomou proporções devastadoras, destruindo teias alimentares complexas e levando os maiores animais da Terra à beira da extinção. Como esses grandes animais conseguiram recuperar sua antiga glória e sair da lista vermelha de animais ameaçados? E quais os desafios para o futuro da preservação dessas criaturas gigantes?

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Grupo de jubartes – Foto por Tomas Kotou / Shutterstock.com

Apesar de ser geralmente chamada de caça ou pesca de baleias, diversos outros cetáceos, como orcas, belugas e cachalotes (que se diferem de baleias verdadeiras pela presença de dentes), também foram amplamente mortos na história humana. As primeiras evidências dessa pesca vem da Coreia do Sul, onde geoglifos representando a caça desses animais foram encontrados. Nessas pedras, desenhos de barcos cercando pequenos bandos de narvais, toninhas e belugas demonstram uma prática ainda empregada hoje, que consiste na perseguição desses animais com lanças em direção à costa, forçando seu encalhamento.

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Desenho de tamanho de narvais, um cetáceo com um dente alongado semelhante a um chifre  – Por Chen Yu
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Tamanho comparativo de belugas – Por Chen Yu

De forma independente, diversas culturas pelo mundo criaram táticas de caça utilizando arpões, há cerca de 3 mil anos. Embarcações perseguiriam esses animais em baías e estuários, eventualmente aventurando-se em alto mar. Um forte arpão seria lançado no animal e ancorado no chão ou na embarcação, causando extrema fadiga a ele. Quando ele desistisse de tentar fugir, novas embarcações se aproximariam e o matariam com o uso de lanças, uma prática que permitiria a caça até mesmo de baleias maiores, como jubartes (Megaptera novaeangliae) e baleias-fin (Balaenoptera physalus). Pinturas rupestres de 1.500 anos em Izcuña, no Atacama, mostram a caça de grandes baleias na região com o uso da mesma técnica.

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Pintura histórica japonesa representando pesca de baleias
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Pintura rupestre mostrando a caça de baleias

Entretanto, foi a partir da Renascença, no século XIV, que esses animais começaram a ser caçados em larga escala por um produto um tanto quanto estranho na nossa visão moderna: o óleo. Grandes navios partiam para o alto mar atrás de animais cada vez maiores, que eram mortos com o uso de arpões e sua gordura era retirada. Chegando novamente nos portos, o óleo era vendido e utilizado para a iluminação pública por todo o Oeste e Centro europeu, sobretudo na Inglaterra. Na mesma época, o Japão tornou-se a maior potência baleeira do mundo, suprindo suas necessidades internas de óleo e de carne e vendendo o excedente para a China e Coreia.

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Refinaria de óleo de baleia em Smerenburg, na Noruega no século XVI – Por Cornelis de Man

Com o aumento da necessidade de luz nas cidades nos séculos seguintes, a demanda por óleo de baleia tornava-se cada vez maior, até que um evento fez com que a busca por óleo se tornasse a atividade pesqueira mais rentável durante os séculos XVIII e XIX: a Revolução Industrial. Cada vez mais, investidores precisavam de luz para suas fábricas e óleo para suas máquinas, o que proporcionou um grande salto em tecnologias navais relacionadas à baleação e, a partir de 1900, iniciou-se a chamada baleação industrial. Grandes navios eram capazes de caçar baleias ainda maiores, como a baleia-azul (Balaenoptera musculus), que pode pesar até 200 toneladas, e a cachalote (Physeter macrocephalus), uma falsa-baleia agressiva que inspirou o livro Moby Dick.

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Embarcações maiores permitiam a caça das maiores espécies de baleias – Oswald Brierly, Whalers off Twofold Bay, New South Wales, 1867
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Tamanho comparativo de diferentes populações de baleias-azuis – Por Harry Wilson
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Tamanho de cachalotes atuais – Por Chen Yu

A cachalote mostrou-se o animal mais rentável para essa prática, uma vez que sua grande cabeça possui uma enorme concentração de um material gorduroso incrivelmente inflamável, denominada espermacete. Navios iam para o alto mar em busca desses animais e, quando encontrados, um grande arpão com uma corda era atirado no animal, que começava a se debater e entrar em exaustão. Posteriormente, a tripulação descia vários botes ao mar, que iriam se aproximar do animal e feri-lo com golpes de machado ou com pequenas lanças. Quando um jato de sangue saísse de seu espiráculo, a tripulação tinha certeza de que seu pulmão havia sido perfurado e o animal morreria poucas horas depois.

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Cachalote sendo caçada – Por Duncal

Entretanto, a partir de 1905, essa indústria foi tornando-se cada vez mais difícil. Os números de baleias despencaram no mundo todo, o que forçava os baleeiros a irem cada vez mais longe, em busca de baleias de grande porte. Grandes cachalote,s de até 28 metros de comprimento, não eram mais encontradas e as populações de baleias-azuis já não conseguiam suprir a demanda das populações das Américas, Europa e Ásia. Por volta de 1930, toda indústria entrou em colapso.

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Números populacionais da baleia-franca, uma das principais espécies de uso comercial

A partir de 1932, as primeiras leis de proteção aos cetáceos foram criadas pelo mundo. Inicialmente, 15 nações estabeleceram que seria proibida a caça de jubartes, baleias-franca (Eubalaena spp.) e baleias-cinza (Eschrichtius robustus), além de um limite de pesca de 16.000 baleias-azuis por ano. Em 1960, a maioria dos países já havia limitado a caça comercial de baleia, mas só em 1986 todos os países aceitaram sua total proibição, com exceção da Noruega, Japão e Rússia, que também pararam nos meses seguintes.

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Baleia-franca-do-sul – Por Lloyd Edwards
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Baleia-cinza – Por Chris Johnson

A essa altura, os números de baleias por todo o mundo já eram preocupantes. As baleias-francas foram extintas no Mediterrâneo, por volta de 1000 a.C., onde já foram comuns. A baleia-cinza do Atlântico, uma possível subespécie de baleia-cinza, foi extinta no século XVIII.  Mais de 250.000 mil baleias-azuis viviam no mundo no passado e seus números chegaram a pouco mais de 600 indivíduos no século XX.

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População de baleias-azuis da Antártida

Por mais que os números se mostrem preocupantes, a proibição da caça fez com que as baleias conseguissem, mesmo que lentamente, voltar a dominar os mares. Embora cachalotes gigantes ainda não possam ser mais vistas (os maiores indivíduos de hoje não ultrapassam os 18 metros), suas populações voltaram a crescer, sobretudo no Oceano Atlântico. As baleias-cinzas, caçadas à beira da extinção, não chegam a 200 indivíduos, mas seus números estão estáveis pela primeira vez em muitos séculos. As jubartes, que foram uma das espécies mais afetadas pela caça comercial, tiveram uma queda populacional de 90% em dois séculos e seus números chegaram a 1.500 indivíduos adultos. Esforços internacionais de proteção, sobretudo no Brasil, possibilitaram que seus números subissem para 84 mil animais adultos. Estima-se que, em poucos séculos, suas populações poderão voltar aos níveis pré-industriais novamente.

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Número de cachalotes comparado ao número de navios

Mesmo com essa incrível recuperação, diversos desafios ainda ameaçam esses animais. Primeiramente, a poluição vem matando diversas baleias todos os anos pelo mundo, que são encontradas mortas com o estômago cheio de plástico. Embora isso ainda não ofereça um risco populacional significativo, a tendência é um aumento no número de plástico nos oceanos e, consequentemente, cada vez mais cetáceos mortos por esse motivo.

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Cachalote encontrada morta com 6 kg de plástico em seu estômago – Fotógrafo desconhecido

Em segundo lugar, populações humanas específicas ainda matam baleias desenfreadamente. Nas Ilhas Faroe, na Noruega, 800 baleias-piloto (Globicephala melenas) são mortas todos os anos de forma brutal, em um festival que ocorre na ilha há mais de mil anos. Ainda que essa prática, supostamente, não ofereça nenhum risco para a espécie como um todo, ela é criticada por não ser uma atividade de subsistência e por matar esses animais com cortes em sua medula espinhal, que oferece uma morte lenta e possivelmente dolorosa.

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Caça de baleias-piloto nas ilhas Faroe – Foto por Andrija Ilic

Infelizmente uma nova ameaça surgiu esse ano, que poderá atrapalhar a recuperação desses animais de forma significativa. Após deixar a International Whaling Commission (IWC), comissão internacional que proíbe a caça desses animais, o Japão voltou a praticar a baleação. No dia primeiro de julho, a primeira expedição baleeira do mundo dos últimos 33 anos, deixou os portos japoneses e já matou alguns animais. A desculpa do país é que cerca de 200 a 1.200 baleias são mortas anualmente para fins científicos (uma prática importante caso seja feita com responsabilidade, o que não é o caso) e que sua carne, muitas vezes, é vendida ilegalmente após as pesquisas. O país decidiu então permitir a volta da caça apenas para fins alimentícios e dentro de suas águas nacionais, o que pode, a longo prazo, extinguir localmente diversas espécies de cetáceos. Pelo mundo, diversas ondas de protestos surgiram, além de que alguns países ameaçaram cortar relações comerciais com o Japão caso a pesca se torne desenfreada. Internamente, diversas campanhas foram criadas para desencorajar a compra da carne desse animal, o que, aparentemente, contribuiu para uma leve redução na demanda esperada pelo produto.

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Carne de baleia em mercado japonês

Os cetáceos são os maiores e mais pesados animais da Terra e estão aqui há mais de 50 milhões de anos. Em poucos séculos, conseguimos reduzir ainda mais populações à beira da extinção, além de extinguir uma subespécie de baleia-franca e um golfinho de água-doce chinês (Lipotes vexillifer). Em poucos anos, extinguiremos também a vaquita (Phocoena sinus), cuja população hoje não ultrapassa os 18 indivíduos. Com a retomada da caça pelo Japão, o mundo todo volta a se preocupar com o futuro desses animais que, após anos de perseguição, voltaram a encher os mares do mundo. O que o futuro reserva para esses gigantes? Uma coisa é certa: esses organismos ainda têm que enfrentar diversos desafios e, com atitudes de governos e dos habitantes desse planeta, suas populações poderão voltar a crescer novamente! 

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