Guerra à Ciência – Parte II – Os Perigos das Vacinas

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As vacinas são consideradas por muitos o maior avanço médico da história. Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), a vacinação previne cerca de 2 a 3 milhões de mortes todos os anos e, caso fosse mais implementada, poderia evitar mais 1,5 milhão. Mesmo assim, milhares de pessoas pelo mundo se recusam a aceitar esse procedimento, sobretudo quando se trata de seus filhos. Mas afinal, as vacinas realmente são necessárias? Elas realmente podem causar autismo ou alergias? E vacinar deveria ser uma escolha pessoal?

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Há cerca de 10 mil anos, uma doença mortal surgiu no Norte da África e, rapidamente, se espalhou por todo mundo. Transmitida pelo ar, a varíola causava febres, vômitos, úlceras na boca e erupções cutâneas. Ela foi responsável por bilhões de mortes ao longo da sua história, dizimando grande parte das populações indígenas quando chegou nas Américas e matando mais de 500 milhões de pessoas somente no século XX. Para proteger a população local dessa temível doença, uma monja chinesa desenvolveu, no século X, um procedimento conhecido como variolação, no qual ela moía cascas de feridas de portadores de varíola e assoprava o pó formado no nariz de pessoas saudáveis, que se tornavam imunes. Esse método eficaz foi criado após essa monja observar que portadores de varíola que se curavam nunca mais contraíam a doença e, após muitos séculos, essa prática se tornou comum em várias partes do oriente.

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Monge realizando a variolação – Artista desconhecido

Durante o século XVIII, médicos europeus passaram a perfurar feridas de varíola de pessoas infectadas com uma lâmina e a arranhar pessoas saudáveis com ela, o que provocava a imunização na maioria dos pacientes, com cerca de 3% morrendo por contrair a varíola. Somente em 1798 uma vacina segura para a doença foi criada pelo médico Edward Jenner, ao observar que fazendeiros que haviam contraído varíola bovina não contraíam a varíola humana. Após anos de experimentação e aperfeiçoamento, a vacina da varíola passou a ser distribuída por todo o mundo, salvando a vida de milhões de pessoas anualmente e abrindo o caminho para o desenvolvimento da imunização artificial para diversas outras doenças.

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Edward Jenner é considerado o pai da vacinação

Em 1904, o governo brasileiro decretou uma lei que tornava obrigatória a vacinação da varíola para todos os cidadãos do Brasil por sugestão do médico Oswaldo Cruz, durante os projetos de modernização do Rio de Janeiro, que era a capital do país. Certificados de vacinação eram exigidos para diversas atividades cotidianas, como casamentos, compras de imóveis e matrículas em escolas. Essa exigência, somada ao despejo de milhares de habitantes da cidade para o alargamento de ruas e avenidas, gerou a famosa Revolta da Vacina, na qual a população se rebelou contra agentes de saúde que vacinavam a todos de forma compulsória. Barricadas foram erguidas e diversos prédios foram queimados, o que levou o governo a decretar estado de sítio, com a suspensão de direitos individuais, e a colocação do exército nas ruas, o que resultou na prisão de 900 pessoas, 30 mortes e quase 500 deportações para o estado do Acre.

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Charge da revista O Malho, de 29 de outubro de 1904, poucos dias antes do estouro da Revolta da Vacina: “Nem com um exército, o “Napoleão da Seringa e Lanceta”, como muitos se referiam a Oswaldo Cruz na época, conseguia conter a fúria da população contra a vacinação compulsória” (Crédito: Leonidas/Acervo Fiocruz)

Anos depois, em 1979, a varíola foi erradicada em todo o mundo, sendo a primeira doença humana extinta pelo homem. Além dela, o sarampo, a poliomelite, a tuberculose e muitas outras tiveram seus números reduzidos drasticamente e, por muito tempo, caminharam para sua aniquilação mas, nos últimos anos, seus números voltaram a crescer, uma vez que muitos pais pararam de vacinar seus filhos. Um dos principais fatores que ocasionaram o crescimento do movimento anti-vacina no século XXI foi a associação errônea entre a vacinação e o aparecimento de autismo e alergias. A conexão entre o autismo e as vacinas foi apontada por um artigo, em 1998, que, desde então, já foi refutado por mais de 20 outros artigos. Além disso, dos 13 autores originais dessa publicação, 10 afirmam que suas conclusões foram errôneas. Um estudo de 2014 avaliou 1,2 milhão de crianças de todo mundo e nenhuma relação com o autismo foi encontrada. Quanto às alergias, um estudo com mais de 1.200 crianças nos Estados Unidos apontou que crianças não vacinadas têm maior tendência a alergias, uma vez que não possuem uma resposta imune tão efetiva.

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Por Dr. Melvin Sanicas

Outro argumento contra as vacinas está relacionado com os seus riscos para a saúde que, na realidade, são ínfimos quando comparados às doenças que elas previnem. Na vacinação tradicional, uma forma enfraquecida de um patógeno (embora vacinas modernas utilizem proteínas ou trechos de RNA) é injetada no corpo do paciente, que irá desenvolver anticorpos para combater essa infecção. Dessa forma, ao entrar em contato com a forma potente da doença para qual foi imunizado, seu organismo possuirá uma “memória” de como combater aquela doença. Portanto, ao ser vacinado, o indivíduo poderá apresentar sintomas brandos de uma doença, mas ficará protegido pelo resto de sua vida.

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Retirado de resumov.com.br

Por fim e talvez o principal motivo do movimento anti-vacina na atualidade é o desconhecimento das doenças do passado. Estamos tão acostumados com a proteção das vacinas que não nos lembramos de um mundo em que nossos irmãos morriam de tuberculose com poucos anos de vida e onde epidemias destruíam até 30% da população de cidades em poucas semanas. A falta de conhecimento gera, também, a ausência de medo na população, que trata doenças infecciosas como um pequeno resfriado. Antes do advento das vacinas, cerca de 20.000 crianças ficavam paralisadas todos os anos nos Estados Unidos devido à poliomelite. A rubéola, por sua vez, gerava mais de 15 mil abortos nos EUA anualmente e, das 20.000 crianças que nasciam com a doença, mais da metade ficava surda, 3.000 ficavam cegas e cerca de 1.500 teriam problemas cognitivos por toda sua vida.  O sarampo era uma doença contraída pela maior parte da população, cuja vacina salvou mais de 20 milhões de vidas entre 2000 e 2016, segundo dados da OMS.

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Gráfico apontando relação direta entre a vacinação e a redução do número de casos de coqueluche no Brasil – Pelo Ministério da Saúde

Em 2019, o maior surto de sarampo em 20 anos aconteceu em Nova York, devido à redução da procura pela vacinação. O Brasil, por sua vez, já havia erradicado essa doença e hoje, infelizmente, possui um número crescente de casos. A poliomelite, rubéola, catapora e tuberculose têm voltado a diversos países, matando inúmeras pessoas, sobretudo idosos e crianças. Segundo a OMS, o movimento anti-vacina é um dos maiores desafios da saúde do planeta no momento, que deve ser combatido pela população. Devemos, de forma científica e respeitosa, demonstrar a importância da vacinação e sua eficácia para as pessoas ao nosso redor. Além disso, devemos sempre lembrar que, ao vacinar, você protege não só sua família, mas reduz também a chance de um surto em sua cidade. Diversas pessoas não podem vacinar por problemas de saúde, restando às outras pessoas da sociedade garantirem também sua proteção.

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Número de casos de Sarampo pelo mundo – No Brasil, a doença já havia sido erradicada – Fonte OMS

Em casos extremos, o governo pode exigir a obrigatoriedade da vacinação para garantir a segurança de toda a população. Ao contrário do programa de Oswaldo Cruz, ninguém deve receber a vacina à força, mas o governo pode restringir o acesso de pessoas não vacinadas para a febre-amarela, por exemplo, a locais de risco, como parques e praças, o que incentivará cada vez mais pessoas a se protegerem. Dessa forma, rumaremos para um futuro livre de doenças e cada vez mais seguro.

Referências

http://webpages.fc.ul.pt/~mcgomes/vacinacao/historia/index.html

https://www.who.int/features/factfiles/immunization/en/

https://www.cdc.gov/media/releases/2014/p0424-immunization-program.html

https://www.medicalnewstoday.com/articles/324619.php

Artigo “Vaccines are not associated with autism: An evidence-based meta-analysis of case-control and cohort studies” https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0264410X14006367

http://www.medicinanet.com.br/conteudos/conteudo/2086/coqueluche.htm

http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/estude/historia-do-brasil/rio-de-janeiro/66-o-rio-de-janeiro-como-distrito-federal-vitrine-cartao-postal-e-palco-da-politica-nacional/2917-a-revolta-da-vacina

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