Desde que nascemos, queremos compreender o mundo à nossa volta, suas origens e seu futuro, e alguns de nós continuamos em busca desse entendimento, mesmo quando crescemos – o caso, por exemplo, de filósofos e cientistas ao longo dos milênios. Um fenômeno que causa bastante espanto é a vida: de onde surgiram os seres vivos? Como surgiu essa diversidade incrível de formas e tamanhos corporais, de organismos “simples” como bactérias até organismos muito complexos e enormes, como sequoias e coelhos?
Diversos pensadores buscaram solucionar essa questão. Aristóteles, por exemplo, sustentava que o mundo era eterno, isto é, sempre existiu e sempre existirá. Para isso, as formas deveriam ser imutáveis e, consequentemente, os seres vivos não poderiam mudar ao longo do tempo e teriam existido desde sempre. Outras maneiras de explicar a vida eram as mitologias e seus respectivos criacionismos: criacionismo cristão, criacionismo greco-romano, criacionismo hindu, entre outros. Nenhuma dessas hipóteses tinha um embasamento sólido que resistisse a algumas observações contrárias, e por isso acabaram por ser abandonadas na busca dessa resposta.
De qualquer forma, a visão mais aceita à época sobre a origem dos seres vivos era fixista e criacionista: Deus criou os seres vivos e, desde então, eles são os mesmos, fixos e estáveis. Apesar disso, havia quem questionasse essas ideias. Diderot e outros enciclopedistas, por exemplo, eram contrários ao fixismo, afirmando que as linhagens de seres vivos acumulavam variações ao longo do tempo. Erasmus Darwin, o avô de Darwin, também acreditava que havia mudanças nos seres vivos. Apesar disso, nenhum deles nunca apresentou nenhuma hipótese sobre os processos que levavam a essas mudanças.
Uma figura importante que defendia o fixismo era Georges Cuvier. Naturalista francês, ele trabalhava no Museu de História Natural de Paris, estudando vertebrados, e defendia uma hipótese chamada catastrofismo: de tempos em tempos, ocorria um evento de extinção em massa, do qual sobreviviam poucos ou nenhum ser vivo. Essas extinções seriam seguidas de um surgimento repentino de novas formas de vida, que se manteriam estáveis e inalteradas até o próximo evento de catástrofe. Isso explicaria diferenças entre a fauna do passado e a fauna atual. Ironicamente, Cuvier é um dos fundadores da Anatomia Comparada, disciplina que hoje em dia é usada como evidência e ao mesmo tempo ferramenta de estudo da evolução darwinista.
Outro personagem importante nessa história é Jean-Baptiste Lamarck. Ele foi o primeiro a, ao mesmo tempo, afirmar que as espécies mudavam ao longo do tempo e sugerir um mecanismo que levasse a essas mudanças. Evidência disso era a existência de seres fósseis que não existem mais, como por exemplo alguns moluscos – grupo com o qual ele trabalhava. Para Lamarck, dois princípios norteavam as mudanças das espécies ao longo do tempo: uma tendência natural pelo aperfeiçoamento das espécies e a famosa “Lei do Uso e Desuso”. A primeira agiria sempre aumentando o grau de complexidade e perfeição dos organismos, sendo assim responsável por mudanças em planos corpóreos. A segunda é uma mudança mais sutil de pais para filhos e leva à mudanças menos gritantes; essa era guiada por interações entre os organismos e seu nicho, e Lamarck defendia que caracteres adquiridos pelos pais são transmitidos para a prole.
Duas críticas fortes podem ser feitas ao pensamento de Lamarck. Uma delas é contra a sua ideia de geração espontânea de seres: para explicar a existência de seres simples em uma hipótese em que os seres vivos sempre estão aumentando de complexidade, era necessário que esses seres surgissem constantemente. A outra é a aparente teleologia do sistema Lamarckiano. Em outras palavras, a evolução, como proposta por Lamarck, tem um objetivo final pré-determinado (teleologia), ou seja, a perfeição dos seres vivos. Existem diversas correntes filosóficas e científicas que são a favor e contrárias à teleologia – inclusive à do próprio Darwin, mas o foco do presente texto não é esse debate.
Mais uma figura que chegou para quebrar com o que se pensava até então foi Charles Darwin. Uma de suas influências era Malthus, economista que dizia que as populações humanas crescem numa taxa cada vez maior, enquanto que a capacidade de produção de alimentos aumenta linearmente, e que, por isso, há um limite de seres humanos que uma economia pode sustentar. De Malthus, Darwin tirou o conceito de “luta pela sobrevivência”: um ambiente pode apenas suportar uma quantidade determinada de indivíduos em um nicho (por exemplo, um número X de grandes herbívoros), e, por isso, esses indivíduos devem competir por acesso a esses nichos – entre espécies e dentro de uma mesma espécie. Os vencedores dessa competição conseguem gerar prole, processo chamado de “reprodução diferencial”.
Também influenciou o pensamento de Darwin o geólogo Charles Lyell, da teoria uniformitarista. De acordo com ele, os processos geológicos que vemos hoje em dia (erosão pelo vento, pelo movimento de água, etc.) seriam responsáveis pelos fenômenos que observamos em rochas e formações geológicas atuais. Isso se traduz na teoria da evolução através do conceito de reprodução diferencial aplicado ao longo de inúmeras gerações de seres vivos: mudanças hereditárias se acumulam de pai para filho e de filho para neto, de tal maneira que, após várias décadas ou séculos, é possível notar diferenças gritantes entre os membros de uma mesma linhagem.
Tendo como base essas e outras influências, e sua viagem em torno do mundo com o navio HMS Beagle – em especial os trechos em que o navio parou em arquipélagos -, Darwin foi capaz de formular a teoria da seleção natural: o meio seleciona organismos que, por um motivo ou por outro, se apresentam mais hábeis à sobrevivência, e esses organismos passam para a sua prole as características que a garantiram. O principal, para a teoria de Darwin, não é em si a sobrevivência do indivíduo, mas sim sua capacidade de reproduzir (e gerar prole que consiga reproduzir também). Como algumas evidências de que a seleção natural existe, ele propôs aves e tartarugas de Galápagos, interações ecológicas altamente específicas, e a seleção artificial que o ser humano fez com outras espécies, por exemplo de plantas e animais domésticos.
A teoria da evolução de Darwin foi duramente criticada. Alguns críticos apontaram que, como havia sido proposta, a teoria não apresenta nenhuma explicação da maneira como as características são transmitidas entre gerações. E de fato, a ideia de Darwin não respondia a essa questão. Outro desconforto com as ideias dele vem do fato de que, nesse sistema, o ser humano era apenas mais um animal, como outro qualquer, e não tinha nenhum lugar especial. Como pessoas mais inteligentes já disseram, este foi um dos atentados contra o amor-próprio da humanidade.
Mais recentemente, novas descobertas vêm transformando a maneira como se vê a evolução. A primeira grande reviravolta na teoria evolutiva foi a Síntese moderna, que busca unir o que já se sabia sobre hereditariedade, desde o proposto por Gregor Mendel, até descobertas mais recentes no campo da genética, e o que se sabia sobre mecanismos de evolução. O nosso conhecimento sobre a maneira como ocorre a evolução por processos alheios à seleção natural também se expandiu significativamente. Hoje sabemos que existem outras forças que podem levar uma população a se modificar ao longo das gerações – como efeito fundador, efeito gargalo, dispersão e vicariância, deriva genética, etc. – mas isso são temas para outros textos.
Hoje em dia, alguns conceitos antigos também têm voltado a entrar em interesse de estudos. É o caso, por exemplo, de alguns caracteres adquiridos durante o desenvolvimento de alguns animais, que podem ser transmitidos à prole. Também foram criadas novas maneiras de se interpretar a evolução – Richard Dawkins expõe uma delas brilhantemente em seu livro O Gene Egoísta. Além do mais, o sistema de classificação dos seres vivos hoje usado na ciência (chamado sistema filogenético) busca inserir dados evolutivos nas classificações.
Em suma, o pensamento evolutivo nunca parou de se renovar ao longo de toda a sua história e continua se transformando até os dias de hoje. Quais serão as próximas descobertas que revolucionarão nossa maneira de encarar a evolução dos seres vivos, apenas o futuro poderá dizer com certeza. Por enquanto, vale a pena procurar saber mais sobre o que já sabemos, bem como o que ainda não sabemos também.
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Texto escrito por Vítor Emídio de Mendonça, graduando em Ciências Biológicas na Universidade Federal de Minas Gerais e IC pelo Laboratório de Mastozoologia