Em 26 de abril de 1986, uma explosão na usina nuclear de Chernobyl, na região que atualmente pertence à Ucrânia, lançou vapores radioativos a quilômetros de distância e matou dezenas de pessoas. Apesar da área ainda se encontrar em isolamento devido ao elevado nível de radioatividade, mais de 30 anos depois do acidente, cientistas constatam que a chamada Zona de Exclusão tornou-se um refúgio para a vida selvagem da região. Como a vida selvagem pôde se recuperar de um dos maiores desastres ambientais da história? E ainda, o que podemos aprender com isso?
Era um dia qualquer em Pripyat, cidade com cerca de 50 mil habitantes, fundada pela União Soviética com o intuito de oferecer moradia para todos os trabalhadores da usina de Chernobyl e para suas famílias, contendo toda infraestrutura necessária para uma vida tranquila. Repentinamente, diversas pessoas da cidade se dirigiram aos hospitais da cidade, apresentando sintomas como dores de cabeça, gostos metálicos na boca, tosse e vômito. Nas próximas horas, duas pessoas morreram e mais de 52 foram hospitalizadas, sem mesmo saber o motivo de sua enfermidade. Somente às 14 horas do dia 27 de abril, mais de 24 horas após o acidente, a população começou a ser evacuada e soube do ocorrido: durante um teste de segurança do Reator 4 da usina, falhas humanas permitiram que toda a água de resfriamento do reator fervesse, o que causou um superaquecimento e uma grande explosão, lançando toneladas de material radioativo na atmosfera, cerca de 20 vezes mais que as bombas de Nagasaki e Hiroshima em conjunto.
Nos próximos dias, milhares de pessoas foram evacuadas de uma área de 30 quilômetros em todas as direções ao redor do reator, que ficou conhecida como Zona de Exclusão. Embora o reator tenha sido tampado com toneladas de concreto por cerca de 15 mil trabalhadores, os efeitos da radiação ainda podem ser percebidos no local e por várias partes da Europa. Por todo continente, centenas de casos de deformidades congênitas e de cânceres foram associados a uma possível contaminação pelo acidente de Chernobyl, além de diversos episódios de alimentos com índices de radiação superiores aos esperados.
Se mesmo fora da área de risco os impactos ainda podem ser sentidos, o que aconteceu dentro da Zona de Exclusão com a biodiversidade local? Os primeiros meses após o desastre foram marcados pelo aparecimento de uma enorme quantidade de animais e plantas mortos na região, em decorrência da exposição direta aos elevados níveis de radiação. Uma floresta local ficou conhecida como “red forest” (floresta vermelha), devido à coloração que suas árvores adquiriram após absorver substâncias radioativas, o que ocasionou a sua morte ao longo das semanas seguintes.
Todos os cavalos domésticos e a maioria dos cães que permaneceram no local morreram de câncer de tireoide e grande parte das aves nativas tornaram-se inférteis. Os impactos negativos ainda podem ser observados nas populações de aves atuais, que apresentam uma elevada taxa de tumores, deformidades nos bicos e mutações em sua coloração. Estima-se que cerca de 50% da biodiversidade local foi perdida logo após o impacto, mas, recentemente, Pripyat tornou-se uma nova esperança para a conservação.
Nos últimos 30 anos, a paisagem de Pripyat foi retomada por árvores, flores e arbustos, que crescem em meio a uma cidade abandonada às pressas. Pesquisas recentes apontam que, apesar da baixa biodiversidade e da redução da fertilidade dos animais locais, as espécies sobreviventes estão tendo um grande crescimento populacional, sobretudo grandes mamíferos como cervos, javalis, ursos, linces, lobos e o raro bisão-europeu. O isolamento mandatório do local impossibilitou a caça de grandes mamíferos que, consequentemente, se multiplicaram na Zona de Exclusão, tornando-se um “Parque Involuntário” (Zona de proteção criada sem intenção direta devido ao abandono de uma área previamente utilizada pelo ser humano).
Em 1998, após a constatação de que o local possuía populações viáveis de grandes mamíferos, equipes de conservação internacional soltaram 30 cavalos-selvagens-de-Przewalski (Equus ferus przewalskii) na região. Essa espécie, que se extinguiu na natureza por volta de 1969, conta hoje com diversos programas de reintrodução pelo mundo, sendo o de Chernobyl um dos que apresenta maior sucesso, com uma população ainda crescente.
Chernobyl foi, por muitos anos, um sinônimo de destruição ocasionada pelo ser humano. Sua história será lembrada por centenas de anos como um símbolo da destruição e dos efeitos catastróficos da radiação na natureza. Entretanto, Pripyat é, hoje, uma lembrança do poder de recuperação e de regeneração da natureza. Mesmo com níveis elevados de radiação no local ainda hoje, a ausência humana possibilita o florescimento da vida, até mesmo de formas que nunca imaginamos.
Essa experiência nos leva a crer que, muitas vezes, a capacidade de recuperação da natureza é maior do que o nosso poder de destruição. Por outro lado, quando o ser humano se propõe a ajudá-la, ela renasce e mostra todo o seu poder de regeneração.
Esse é o primeiro texto da série Energia Nuclear, que tratará os mistérios e desafios dessa nova forma de produção energética. Afinal, devemos optar pela produção de energia limpa se ela pode ser tão perigosa? Descubra nas próximas semanas!
Sobre os impactos do desastre de Chernobyl e Fukushima
Sobre a abundância da fauna da Zona de Exclusão de Chernobyl
Vídeo sobre os animais de Chernobyl
Artigo sobre mutações na fauna: Landscape portrait: A lookat the impacts of radioactive contaminants on Chernobyl’s wildlife – Por Timothy A. Mousseau e Anders P. Møller
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Incrível 👏👏
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